Monday, May 26, 2008

171

Não escrevi nada decente semana passada. Foda-se. Fiquem aí com um link para um conto que escrevi em 2004 e que foi publicado em 2005 em um fanzine eletrônico legal. O conto chama-se 171, esse eu curti reler:

http://paginas.terra.com.br/arte/zinekaos/umseteum.htm

Monday, May 12, 2008

Detestável

Todos pararam de ligar para Jonathan depois que ele agarrou bestialmente a Melina diante de todos, inclusive de Nando. E ele nem estava bêbado para se justificar. Apenas andava parecendo quase moribundo naqueles dias, mas todos já haviam se acostumado com a sua mudança. Desde que se tornou taciturno tornou-se uma companhia mais agradável, pois era uma mala do caralho, só suportado porque era namorado da Guta. Ela o abandonou e passou a andar com outra galera, deixando-o como um legado maldito. Ele passou a fazer boas piadas e a ficar na dele, mas todos só se ligaram que ele era um estorvo quando, transtornado, ele se jogou sobre ela como uma hiena que não tem a menor chance de abocanhar a presa do leão.

Ela socou tão fortemente o orangotango que dispensou Nando de qualquer outra participação, mas mesmo assim todos o tiveram que o segurar, dado o seu tamanho oriundo do uso de bombas; com exceção do Fraldinha, que empurrou Jonathan para fora do bar, pois ele ainda teve a pachorra de tentar acertar uns chutes em Nando. Quando finalmente Nando se acalmou, ele ameaçou sair correndo atrás de Jonathan e só não alcançou seu intento porque Melina o segurou pela juba, fazendo um esforço sobre-humano para manter o chumaço de cabelos na mão, enquanto todos estavam sem reação, estupefatos. O Fralda conseguiu enfiar Jonathan dentro do seu carro e deixou-o em casa após levá-lo calado. Ambos em silêncio. Jonathan apenas murmurou algo sobre amá-la desde há muito. Não houve resposta.

Era mentira. Só, deprimido e sentido que era apenas tolerado por estranhos que eram como amigos postiços, ele se apaixonou repentinamente pela única mulher que realmente o tratava bem. Brutal, intenso e explícito, assim que deveria ser, na sua acepção.

Isso foi na sexta. O final de semana inteiro passou enfurnado dentro de casa, limpando as feridas psíquicas e os cortes na boca, pois Fralda também lhe deu uns tapas na cara, de mão cheia e sem qualquer consideração. Ninguém lhe perguntou suas motivações. É como se todo o desprezo que sempre sentiram por ele finalmente tivesse uma oportunidade de aflorar. Sua única amiga de verdade, ele pensava assim, como um adolescente, era Laura. Ela mudou-se e seus telefones estavam cortados, tanto o fixo como celular. Típico dela, uma duranga. Na faculdade, no sábado de manhã, disseram que ela estava viajando.

Não conseguia conversar com os pais, joguete que era nas brigas deles. Passou o domingo jogando videogame. À noite ligou para Guta. É, estou sabendo de tudo, você não passa de um filho da puta mesmo, só tendo a auto-estima lá embaixo que nem eu tinha para te namorar. Bateu na cara. De novo, pois é.

Segunda de manhã, viu chegando pela janela o ônibus com o qual ia trabalhar. Decidiu que não ia perdê-lo. Calculou bem e jogou-se em cima dele, mas acertou o moto-taxista que vinha logo atrás. Assassino ao morrer, não teve boas manchetes e foi enterrado pelos pais, alguns poucos parentes e por Guta, isso ele gostaria de saber.

Monday, May 05, 2008

Balada errada

A única sala vazia está escura o suficiente. É a menor de todas, portanto tem a grande vantagem de possuir apenas um sofá. Enorme, é verdade. Vinte minutos antes, havia entrado lá procurando um cômodo com mais privacidade, e me deparei com três sujeitos acompanhados por uma menina. Chega, não volto mais sozinho para a casa dos sofás.

Corro para a tenda. Procuro, procuro, acho. A luz negra realça seu vestido branco. Ela joga o cabelo para os lados, braços para cima; ensaia uns passinhos de samba. Drum n’bass brasileiro. Como todo mundo que havia descoberto isto ontem, tinha os quadris duros. Muito neguinho olha para aquele balançar desengonçado e ri de soslaio. O momento é este. A lábia e o requebrado desgastados pelos anos de rotina doméstica ainda hão de funcionar. Aproximo-me, deixo solto meu lado Dudu Nobre, ela sorri.

- Ninguém mais dança assim – grita no meu ouvido.

- Na minha quebrada, ninguém perdeu a manha.

Berro isto três vezes. Vale a pena. Ela começa a rir, a cara enfiada no meu ombro, as mãos apoiadas em meu peito enquanto mexe aqueles tênis brilhantes. Minha impressão de achar uma patricinha ligada no perigo estava certa. Percebi ao apontar meu rosto naquela “pista de dança”. Os bons, velhos e maldosos instintos. O poperô volta a bombar. Ela quer ficar no meio daquele barreiro. Eu não. Ainda agüento três “músicas”. Tsi, tum, tsi, tum.

Desisto, não estou com paciência pra ficar mimando madame criada por FMs e balconistas que a vestem de Cavalera. Olho para a casa, faço menção que vou pra lá com a cabeça, e saio abrindo caminho em meio ao povinho fashion. Chegando perto da janela azul, me viro e só vejo os clubbers boiolas de sempre. Começa a amanhecer. Hora de vazar. Ao encostar-me na parede para descansar um pouco, vejo uma ruiva empurrando uns agroboys. Ela me seguiu.

A porta da frente está trancada. O único jeito de entrar agora é pelo buraco do cachorro da porta de trás. Quando ela engatinha pela portinhola, eu penso na minha adolescência, no banheiro de azulejo rosa, e me pergunto por que nunca fantasiei isto antes.

Agora só havia luzes vermelhas bem fraquinhas no corredor. Os cômodos ficaram insondáveis. O solitário sofá daquele quartinho de empregada foi ocupado. Ela ri do meu desconforto, e, tropeçando nas próprias pernas, arranca uma lanterna da bolsa. Ela gargalha ao apontar o facho para a cozinha. Só dava neguinho berrando “Apaga isto, vaca”. Têm quatro, cinco pessoas por sofá. Todos homens, acho. Subindo correndo as escadas, ela gargalha ainda mais.

Tomo a lanterna de sua mão. Aí ela tem uma idéia pior. Acende a luz de um dos quartos. Ninguém acredita que existiria uma garota tão enxerida assim. Vários casais deitados, sentados, de ponta cabeça, naqueles sofás, e... Toni em cima de um magricela com a cara enfiada em almofadas. Ambos com as calças arriadas. Meu amigo que jogava bolinha de gude comigo. Pô, Toni.

- Apaga a luz agora, o que você está olhando?! – Estou olhando ele fechar o zíper, e agora me sinto duplamente otário.

- Porra Negão, justo você, me fazer este papelão - Toni arfava indignado.

E ela ri alto, mais alto ainda enquanto Toni nos puxa pelos braços através do corredor. Ele nos joga com toda força em um banheiro. Tem um sofá! E nele caímos. Ela me pergunta quem era meu amigo. “Segurança da rave”, é tudo que posso dizer. Seus risos ficam ainda mais histéricos.

Acendo a luz, e contemplo sua boca borrada de batom, maquiagem pesada escorrendo junto ao suor. Faróis acesos. Senhorita Roubada, o que vamos fazer trancados aqui?

- Quer tomar essa pílula azulzinha? Um sorriso sacana é esboçado.

- Não preciso disso.

- Nem eu.

E engole a pílula com água da torneira. Reclama que está com gosto de ferrugem. Digo que desejo experimentar o gostinho. Fazendo-se de desentendida, sugere que eu beba direto da torneira. Deito-a com jeito, e, como diria meu avô, roubo um beijo. Apago a luz. Era a deixa.

Toni e outro segurança entram e acendem a luz. Vingança. É justo. Somos arrastados pra fora da casa. Saio atrás, e não acredito no que ouço:

- Amor, onde você estava?

- Te procurando.

Mesma roupa, mesmo cabelo. É o rapazinho magrela do Toni. Com a minha mina. Abraçando-a. Dois pombinhos. Saem de mãos dadas. Nenhum deles olha pra trás. Toni, ao meu lado, parece mais resignado.

- A vida é assim. Negão... escuta, a galera do bairro, eles não precisam saber...

- Saber do quê? Não sei de nada.

Toni já havia me economizado uns dois meses de salário. Em toda festa que ele trabalhava, eu entrava na faixa. Um tapa na minha nuca, só pra não perder o hábito, e ele sai andando com o gorila camarada dele.

A casa parece tremer, não sei se por causa devido aos graves das caixas de som gigantes ou se... esquece. Não volto lá sozinho.

Tem uns malucos jogando no campinho de futebol society. O negócio é acompanhá-los. De um jeito ou outro, eu pego uma pelada aqui.

Escrevi e reescrevi este conto várias vezes no segundo semestre de 2004 para a revista Ops!, um projeto de final de curso feito por grupo de estudantes de jornalismo, do qual uma ex-namorada fazia parte. Apesar de tê-lo editado em uma versão menor, ainda estava muito extenso e fiz outro, que foi publicado com uma ilustração do escritor Chico Lopes. A versão original deste conto só foi lida pela orientadora e algumas integrantes do grupo, permanecendo inédito.