Um retrato na cômoda emoldura uma presença incorpórea. Há quem sinta-se ofendido ao entrar na sala. Tantas décadas depois, ainda insistindo nisso. O pai morreu desgostoso, sem concordar com a ideologia do filho até o fim, sem concordar com a sua ausência espontânea e sobretudo sem concordar com sua ausência forçada. Jamais admitida por quem a provocou. Todos sabem quem foi, às vezes o responsável aparece no noticiário, com a cara de quem dormiu gostoso ao roubar as horas de sono alheias. Hoje foi a vez da mãe também se ir, sem nunca saber o que aconteceu com aquele filho idealista do qual ela se orgulhava, mesmo sem compreender o que exatamente todos aqueles discursos inflamados diziam. Até o último dia pressionou para que a verdade viesse à tona. O retrato será enterrado com ela.
Este texto faz parte da 5ª Blogagem Coletiva #DesarquivandoBR
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