Friday, March 30, 2007

Circunstâncias

Com o tempo, notei que há quem resvale na canastrice para não ser, apesar disso, um mau caráter. O Caroço é assim. Não tem muita personalidade, mas tem. Com o tempo você percebe que não é um cara que você convidaria para dar um chego em casa, por não ter tanto assim o que conversar e também não ser a pessoa mais confiável do mundo, mas ao menos possui um mínimo de decência. É o tipo de pessoa que poderia ter sido um grande sujeito, se tivesse se feito em uma atmosfera menos devassa. Quando está todo mundo rindo da cara de alguém, ele até dá aquelas risadas de mofa, exageradas, mas é o primeiro, se não é o único, a estender a mão para quem se estatela no chão ou algo assim. Depois que ri de uma piada dele, a primeira de uma longa série de tiradas infames que não era uma estultice, parece que ele passou a ser mais legal. Depois, as piadas dele ficaram ainda piores, mas é aquele lance, qualquer um é menos intolerante se vai com a cara de alguém.

Monday, March 26, 2007

Juiz e executor

Relaxei um pouco. Não no sentido que almejava. O de realmente descansar. Apenas relaxei repentinamente no sentido de ser um pouco mais tolerante com a estupidez alheia, ou com o quê parece estúpido apenas para mim. O que talvez ajude a relaxar de fato. O fato mesmo é que sou muito influenciado por uma atmosfera de negativismo. Além de ver que algumas pessoas não são os monstros idiotas que pensava que eram, notei que tinha desdém até por quem é gente boa. Sem razão. Tratava como mero colega de trabalho quem me considerava amigo, apesar de sermos companheiros sob a chibata e de termos afinidades de fato. Boris e Ariel são 100%, pequenas rusgas e mau gosto musical à parte. Basta iniciar uma conversa de saída, algo que sugira um escape do horror cotidiano, que eles se animam e conversa fica boa como era na andar na rua, dentro de fliperamas nos quais somente via pó daquele normal, que nada no ar para assentar-se no sobre o vidro malcuidado das máquinas de pinball.

Friday, March 23, 2007

Rubro-negro

Ele sempre quis ser negão. Corava por qualquer coisa. Agradecia quando alguém não lhe dizia nada. Quando era criança, nunca sabia quando estava vermelho de vergonha, a menos que lhe dissessem. Talvez, justamente por ser pirralho, não se sentisse tão constrangido por qualquer coisa. São outros tempos agora. Ele sabe quando acontece, pois sente o rosto e as orelhas queimarem. Quando alguém abre a boca para aquele típico “Até ficou vermelho!” a brasão aumentava tanto que ele suava. Não há tortura psicológica pior para um branquelo. Temos certeza que muita gente aqui já percebeu.

Dor Ocupacional

Ele marca algo rapidamente na tela, antes que o vejam gazeteando. Tão logo saem na sala, na qual por impaciente coincidência entraram apenas para olhar um mapa que também está fixado na sala da chefia administrativa, desmarca o que tinha marcado, pressiona o Alt Tab e volta ler o site sobre L.E.R. no qual estava concentrado antes. Contorce-se para a direita, range a cadeira ao fazer um giro esquisito para a esquerda, massageia as costas com sofreguidão. De soslaio, por ter a mesa oblíqua a sua, posso ver tudo. Acho melhor, claro, não dizer nada para ninguém, e nem para ele.

Monday, March 19, 2007

OKTV

Olhe para o alto e jogue-se para baixo. A imobilidade vertiginosa do trabalho, seja qual for o sistema pelo qual fundamentalistas do intelecto fazem proselitismo, rebaixa enquanto te faz mirar ilusões idílicas, mantendo-o na média, medíocre, dando-lhe ilusão de movimento. Mera teorização de quem não faz nada, fracassado. Em casa, é o eletrodoméstico que você tanto diz odiar que te acalenta.

Uma mão lava a outra em vão

Gordo, suando torrencialmente e com um desodorante fortíssimo que só piorava tudo, ofendia a intimidade olfativa de todos, menos a dele mesmo, claro. Devia ser muito eficiente, pois há anos era assim, cochicha-se pelos corredores. Por acaso, descubro não era só eu que o apelidara mentalmente de Carcaça. Era como o chamavam pelas costas há algum tempo. E ele era pútrido em todos os sentidos, contamina tudo com seu Toque de Midas inverso. Minha sorte é que minha área é distinta o suficiente da dele para manter-me muito distante, pelo menos psicologicamente, portanto não tinha que passar o fim de semana com sua imagem nauseabunda ardendo em minha mente, assim como acontece com tantos colegas que reclamam sem parar.

Thursday, March 08, 2007

Passado

Lembrei-me em tempo. Era hoje. Não era possível fazer mais nada, no entanto. Estava no meio de um relatório. Não dava para ir em casa, reunir documentação, fotos e coragem. Podia sair no meio do serviço, claro, correndo, correndo, correndo, para não ter uma vida medíocre, viajar, conhecer muita gente e incomodar quem não presta, tal qual um Joe Strummer da vida que eu sempre quis. Fico calado, com medo do futuro e imóvel.

Wednesday, March 07, 2007

Coma

Pouco mais de um mês depois, levanto-me e me dou conta que não conversei com nenhum amigo a não ser por meios virtuais e não registrei nenhuma linha no diário. Não me lembro bem dos filmes que assisti e das conversas que tive. Não estive em nenhum lugar além dos habituais e o caminho entre eles. Nada aconteceu e todo o tempo foi preenchido por sonhos, que fazem sentido até certo ponto. Trabalhe por várias horas a mais e faça cursos que não interessam para tornar o currículo mais atraente para quem não interessa, pregam dissimuladamente os manuais corporativos impregnados até nos malditos nicks de tudo quanto que é tipo de comunicador instantâneo de gente lutadora, que faz nada de bom e acontece para os basbaques notarem. Ela me manda tomar café da manhã, para que eu não ficasse mais cinco minutos sem entender nada.