Mark E. Smith, o vocalista do The
Fall, faleceu dias atrás, mais precisamente no dia 24 de janeiro de 2018, aos
60 anos. Tinha fama de ser uma pessoa difícil; era o único membro constante da
banda, pela qual passaram mais de sessenta músicos. Para mim, é uma daquelas
lendas sobre as quais lia na imprensa quando garoto, mas cujo contato com a
obra em si demorou um pouco.
O Fall era a típica banda pós
punk da mítica Manchester, cidade industrial inglesa então decadente, refletida
na sonoridade sombria e nas letras de E. Smith abordando aspectos menos felizes
do cotidiano, o que o tornou uma figura cultuada pelo seu texto e vocal
inconfundível, aliás, como muitos outros letristas de sua época, tidos como
poetas de primeira linha. Mesmo tendo
início nos anos setenta, imediatamente após a explosão do punk em 1977, é uma
banda fortemente associada aos anos oitenta, pelas suas características e pela
relevância da discografia daquele decênio.
Embora lesse a respeito na Bizz,
extinta revista musical, no finzinho da década de oitenta, só fui ouvir em
1992, quando estava no chamado secundário (hoje ensino médio) e um colega viu o
desenho que fiz do logo do PIL no meu caderno, puxando conversa. Esse colega de
sala, o João Louco, ao saber que o Joy Division era minha banda favorita,
gravou para mim o Bend Sinister, disco do Fall que ele tinha na edição em
vinil. Não me decepcionou, pelas ótimas referências que tinha poderia ter
cultivado expectativas excessivas. Só estranhei alguns teclados new wave em
músicas animadinhas que contrastavam muito com o tom sóbrio, mas há muito tempo
saquei que aquilo era cinismo, o típico sarcasmo oitentista, por parte deles.
Com o passar dos anos noventa,
achei em sebos tanto o Bend Sinister, de 1986, quanto o The Frenz Experiment,
de 1988, os únicos discos que saíram no Brasil, ao menos que eu saiba, ambos em
vinil. Sou especialmente afeiçoado ao primeiro, que foi o disco pelo qual os
conheci. Embora encontrando CDs importados, baratos quando o dólar estava em
paridade com o real, antes de 1998, e ouvindo outros discos pela internet,
neste século, não conheço nem metade da discografia do The Fall e olha que sou
bem fã; no entanto, logo explicarei meu parcial desencanto com o grupo. Mark E.
Smith era extremamente prolífico e lançou 78 (setenta e oito!) LPs, contando os
inúmeros ao vivo, entre 1979 e 2017. Isso sem mencionar os compactos e EPs.
Ouvi por cima o penúltimo disco
de estúdio, Sub-Lingual Tablet de 2015, e até apreciei, mas o último disco
deles que realmente gostei foi o Extricate, de 1990, o qual procurei apenas em
2016. É brilhante, começa como citação aos Stooges, e musicalmente é uma
continuidade um pouco mais polida dos discos anteriores, com alguns músicos
remanescentes. Mas a verdade é que quando conheci o disco de 1993, que fez até
certo sucesso no exterior, The Infotainment Scan, meu interesse pelo grupo
arrefeceu, pois dos anos noventa em diante me parece que E. Smith passou apenas
a se repetir, mas usando outra banda, aliás, qualquer banda.
Um amigo, Aran Carriel, me contou
de uma frase famosa de E. Smith, “Se sou eu acompanhado por sua vovó nos
bongos, então é o The Fall”, citada no obituário publicado pelo jornal The
Guardian, e me mostrou um vídeo relativamente recente de um show do grupo, no
qual E. Smith deixa o palco e diz para os fãs terminarem o show, assumindo o
microfone, o que realmente fazem. Talvez o The Fall se torne uma banda infinita
por isso, como os Demônios da Garoa, até hoje tocando com descendentes de seus
músicos originais; talvez não, espero que não, pois a música já está
imortalizada. Já para Mark E. Smith, infelizmente, a queda que espera por todos
nós chegou.
Daniel Souza Luz é
jornalista e revisor
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Mark E. Smith ao vivo com o The Fall, em Berlim. Foto de Stefan Müller, via licença Creative Commons. A original pode ser vista aqui: https://www.flickr.com/photos/stefan-mueller-net/30937763673/
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 27 de janeiro de 2018 e no site em 29 de janeiro seguinte. Era então inédita e e a escrevi tocado pela morte do Mark E. Smith. Mantive-a como está, não tenho reparos a fazer no texto. O nome da banda já havia inspirado outra crônica minha, The Fall, uma croniqueta, publicada aqui no blog em 31 de outubro de 2016 e reformulada para o Jornal da Cidade, com o título A Queda, que a publicou em primeiro de julho de 2017 e no site em três de julho de 2017. A Queda, inclusive, como já mencionei numa micrônica, é um uma crônica que ainda quero reescreve mais uma vez, pois há mais detalhes a ser contados sobre o episódio.
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