Sunday, February 22, 2009

Melhor assim

Sempre confuso, ele também parecia precisar da aprovação de amigos que ele julgava melhor conhecedores de algo que em que ele se metia. E isto era um problema para todo mundo, pois ao mesmo tempo em que todos tinham o seu ego inflado por serem considerados bons em alguma coisa, nós éramos pessoas normais com aptidões comuns. E ele levava muito a sério as nossas opiniões. Todos nós sempre nos arrependíamos de termos lhe dado trela. Uma vez ele mandou-me um e-mail assim:

“JANO

Talvez seja, ela não gostava de mim. Eu nunca pensei que pudesse olhar para um canto escuro e nada vir a minha cabeça. Se eu fosse o personagem de Dan Akroid no primeiro Caça-Fantasmas, aquele homem de marshmellow gigante não teria aparecido. Eu queria ligar esta porra de televisão, mas não posso, ela é uma amiga de certa forma. Meu corpo se manifesta de várias maneiras, mas esse negócio de escrita automática não é tão legal no computador.

Foi o máximo que consegui escrever dessa forma. Sempre quis fazer escrita automática, mas deveria ter escrito a caneta mesmo. Teria dado mais certo. Que porra era aquele título, Jano? De onde tirei isto? De algum livro de história que li quando era pequeno, provavelmente. Até o meu subconsciente gosta de dar uma de besta. Só sei que nunca mais animei em dar uma de dadaísta. Eu não digito tão rápido, e isto me tirou o tesão do negócio.

O que você achou? Ficou muito ruim? Sinceramente? Você sabe que eu sempre quis fazer isto. Escrevi isto há muito tempo. Eu queria ser bom nisso, mas sabe, desanimei mesmo. Sabe onde está escrito “Eu queria ligar esta porra de televisão...”? Bem, eu queria ter escrito “Eu queria desligar esta porra de televisão...”, mas digitei errado. Não faz sentido, não é mesmo? Eu queria desligar, mas não podia, porque a TV era uma boa amiga naquela época, em que estava muito sozinho, você sabe. Se bem que de repente até que ficou legal, né? Por ter ficado esquisito, sabe como é que é?”

Eu só respondi isso:

“Você escreve bem, é um dom, mas acho que qualquer um o pode fazê-lo treinando.”

Nunca mais ele olhou na minha cara.


Escrevi este miniconto em 2003 ou 2004, revisei hoje.

Sunday, February 15, 2009

Balada Errada 2

A luz negra realça o seu vestido branco. Ela joga os cabelos para os lados, os braços para cima, ensaia uns passinhos de samba. Drum n'bass brasileiro. Como todo mundo que que havia descoberto isso ontem, tinha os quadris duros. A lábio e o requebrado ainda hão de funcionar. Aproximo-me, deixo solto meu lado Dudu Nobre, ela sorri.

- Na minha quebrada, você não enganaria ninguém.

Berro isto três vezes. Vale a pena. Ela começa a rir, a cara enfiada no meu ombro, as mãos apoiadas em meu peito enquanto mexe aqueles tênis brilhantes. Começa o poperô. Eu não quero ficar no meio daquela tenda cheia de barro. Ela quer. Ainda agüento três “músicas”. Tsi, tum, tsi, tum, tsi, tum.

Desisto, não estou com paciência pra ficar mimando madame criada por FMs. Olho para a casa perdida no meio do mato, faço menção com a cabeça de que vou pra lá, e saio abrindo caminho em meio ao povinho fashion. Chegando perto da janela, me viro e só vejo os clubbers de sempre. Hora de vazar. Ao encostar-me na parede para descansar um pouco, vejo uma ruiva empurrando uns agroboys. Ela me seguiu.

A porta da frente está trancada. O único jeito de entrar é pelo buraco do cachorro da porta de trás. Quando ela engatinha pela portinhola, eu penso na minha adolescência, no banheiro de azulejo rosa, e me pergunto por que nunca fantasiei isto antes.

Só havia luzes vermelhas bem fraquinhas no corredor. Os cômodos são insondáveis. Não consigo ver nenhum dos famosos sofás para amasso que tanto havia ouvido falar. Ela ri do meu desconforto, e, tropeçando nas próprias pernas, arranca uma lanterna da bolsa. Gargalha ao apontar o facho para um quarto. Têm quatro, cinco pessoas por sofá. Todos homens, acho. Subindo correndo as escadas, ela gargalha ainda mais.

Tomo a lanterna de sua mão. Mas ela tem uma idéia pior. Acende a luz de um dos quartos. Ninguém acredita. Vários casais seminus naqueles sofás e... Tony em cima de um magricela com a cara enfiada em almofadas. Ambos com as calças arriadas. Pô, Tony.

- Apaga a luz agora, o que você está olhando?! – Estou olhando ele fechar o zíper, e agora me sinto duplamente otário.

- Porra Negão, justo você, me fazer este papelão - Tony arfava indignado.

E ela ri alto, mais ainda enquanto Tony nos puxa pelos braços através do corredor. Ele nos joga com toda força em um banheiro. Tem um sofá! E nele caímos. Ela me pergunta quem era meu amigo. “Segurança da rave”. Seus risos ficam ainda mais histéricos.

Acendo a luz. Boca borrada de batom, maquiagem pesada escorrendo junto ao suor, faróis acesos. Senhorita roubada, o que vamos fazer?

- Quer tomar essa pílula azulzinha? Um sorriso sacana é esboçado.

- Não preciso disso.

- Nem eu - e ela engole aquilo. Portanto, apago a luz. Era a deixa.

Tony e outro segurança entram com os fachos das lanternas em nossas caras. Vingança. É justo. Somos arrastados pra fora da casa. Saio atrás dela, e não acredito no que ouço:

- Amor, onde você estava?

Mesma roupa, mesmo cabelo. É o rapazinho magrela do Tony. Com a minha mina. Abraçando-a. Dois pombinhos. Saem de mãos dadas. Nenhum deles olha pra trás. Tony, ao meu lado, parece mais resignado.

- A vida é assim. Negão... escuta, a galera do bairro, eles não precisam saber...

- Saber do quê? Não sei de nada.

A casa treme. São os graves do som estourado, ou... Esquece. Não volto lá para descobrir.



Pensando bem, acho que esta é a versão deste conto publicado na revista Ops! e a versão que publiquei aqui no ano passado é a versão original, mais longa, que pensei que havia perdido. Depois preciso achar a revista para confirmar isso, mas é 99,99% de certeza.


Sunday, February 08, 2009

O Recomeço

É como se fosse uma licença tácita para a putaria e isso não faz sentido para ele. Meio que está intrigado pensando o quanto se importava em ficar sabendo de tudo que rolava entre todos os de outrora. Desarticulado, não quer saber de perguntar como eles vão quando os encontra, ainda que todos perguntem o que ele anda fazendo para ouvir respostas acanhadas e vagas. Mas no carnaval é diferente. Ele quer saber de tudo o que os vizinhos fazem, olhando-os por binóculos, é muito bom morar em um prédio em frente a outros nesta época. Voyeurismo sem culpas, não sabe quem são e não fala nada sobre eles para ninguém. Até porque fica embaraçado demais com isso. O que não imaginava, na única licenciosidade que se permitia, era flagrar a vizinha de baixo do apartamento frente ao seu dando para um japonês cujo pau de fato parecia ser bem pequeno. Ela não tirou a camisa do Che Guevara em momento algum, como alguém pode dar uma trepadinha olhando para um cara feio como aquele? Ela devia mesmo ter os peitos pequenos, sempre teve essa impressão. Pelo menos ela tirou a boininha e seus cabelos negros feitos na chapinha refletiam o abajur rosa de forma ritmada e linda. Pela primeira vez em dezessete anos saiu para curtir um Carnaval com c maiúsculo, ao contrário do que recomenda a moral cristã da ortografia.

23/12/2008-08/02/2009

Sunday, February 01, 2009

J.

Foi tentando explicar-se que se arrependeu, tal como acontecia quando era criança. Andando devagar até a beirada da varanda da casa nova, o alpendre ainda sem grades e a queda de uns belos sete metros, pois a lateral direita dava para um precipício, foi surpreendido pela mãe que lhe deu o mesmo tipo de repreensão de trinta anos atrás. Ian Curtis ainda estava vivo naquela época. Por que você está chegando tão perto daí? foi a pergunta precedida do “Falta juízo!” que tanto o irritava e o humilhava; que fodeu a sua auto-estima e até mesmo a cognição na adolescência. O que você está pensando, sai daí?, o que era para ser uma ordem saiu como se fosse um apelo, pois ela intuiu que aquilo não seria bom. Ele nem estava pensando em nada, voltaria após olhar para baixo, não contava em ser surpreendido pela mãe até naquela hora e, pela primeira vez na vida, pensou realmente em se matar. Retrocedeu, no entanto.
18/12/2008