A rua de terra batida morre em uma borracharia quase inacessível devido à lama frente ao portão de madeira. Sobre a pintura azul descascada das tábuas mal ajambradas está rascunhado porcamente com tinta preta: “Nao fazemos fiado”. Não há sinal de atividade. Batemos palmas. Ninguém aparece. Empurro o portão rangente. De dentro, sai um senhor calvo. Olhos vermelhos, barba rala branca, botinas cheias de barro, a roupa toda esgarçada. Não precisava chegar perto, mas ao se aproximar tivemos certeza que estava alcoolizado.
- Pois não? - é o sentido que parece ter o bafo de cachaça aspergido pelo ar que ressoa aos ouvidos e se insinua desagradavelmente narinas adentro. Gotículas de saliva pousam na minha bochecha.
Explicamos que ouvimos dizer que há uma antiga estrada que prossegue atrás da borracharia, e que gostaríamos de conhecê-la. Ele franze a testa e balança, parecendo se perguntar o que está fazendo ali. Depois levanta os olhos, mantendo a mesma expressão apalermada, dirigindo-os ao meu irmão. Por que estávamos querendo saber de uma estrada abandonada? Para fazer reconhecimento para um rali. E por que faríamos isso domingo de manhãzinha? É nosso hobby, um grande prazer, somos da federação de automobilismo off-road.
Contorno o galpão com o jipe. O espelho esquerdo raspa no muro; o espaço é muito estreito. Vagarosamente, evitando pedras pontiagudas enterradas na terra, dirijo paralelamente às árvores do fundo até um pequeno declive, onde há uma vegetação rasteira. O tiozinho explica que ali a estrada fazia uma curva, e que era só descer um pouco até uma trilha que eventualmente é usada por alguns moleques que nadam em uma cachoeira no meio da mata. Dou um dinheirinho para ele; abre-se um sorriso de dentes amarelados.
- Então vamos? – quase suplica meu irmão, ansioso.
O velhinho se espanta, mesmo ciente de nossas intenções desde que chegamos. “Vocês vão descer mesmo?”. Claro, é uma quatro por quatro, estamos acostumados. Nos despedimos, e ele, estranhamente, bate continência. Olho para meu irmão, que ignorou o gesto, mantendo o olhar fixo na descida. Ótimo, precisamos de foco.
Comecei esse conto mais longo em meados de 2004 e, apesar de a trama ainda avançar muito, deixei-o pela metade. Espero conseguir terminá-lo agora.
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