Tuesday, August 28, 2012

Só dói quando sonho


Em ambientes fechados, sempre olho por uma janela ou porta procurando por uma árvore. Adoro ver o sol batendo forte nelas, verde fecundado pelo amarelo. Uma sensação de liberdade pela qual ninguém pode me recriminar, nunca houve quem percebesse, por mais poder que tivesse sobre mim.
Na escola, nos empregos, em casa, quaisquer desses cativeiros, sempre permaneci obediente. Ansiando pelo sol; obrigações, tarefas e cobranças me fazendo sombra sempre, para sempre.
Até que Ela apareceu. Puxando-me para o sol que saneou o musgo que recobria meus sonhos. Um desses sonhos, enfim, nasceu.
Sonho sorridente, que dobrava chefes, a própria mãe, sogros rigorosos, conseguindo fugir para o sol, junto às árvores, às vezes.
Assim passaram-se sete anos, apertados financeiramente, sem que pretendêssemos parir outros sonhos. Ainda assim, sacrifícios sondando. Cansaço, brincadeiras, brigas sem sentido, risadas e os três dormindo juntos, a pequena Sonho metendo-se entre Ela e eu, alta madrugada, com medo da escuridão.
Medo que ela encarou antes de nós. Nosso Sonho desvaneceu-se, tal como todo sonho, de repente, em meio ao rugido do dia, sobre o capô de um garoto de 18 anos, 51 pontos na carteira, muito mais do que isso na carteira que interessa, a do pai dele.
A pequena Sonho, que queria ser enfermeira, era a própria Ela, só via Ela nela. Esperança de nós. Procurei o assassino, ele riu, fez-se de compadecido, disse que se sentia mal, mas riu. Insistiu que não era justo que fosse julgado por isso, que não aceitava ser julgado pelas pessoas, pela Justiça tudo bem, mas pelas pessoas e por mim não, porque “sou muito mais do que isso”. Riu impune. Disseram-me para não procurá-lo porque ele ainda iria rir do que fez, certeza.
Não consegui. Não podia mais ver ela n’Ela. Fico no sol, numa praça cheia de árvores, mãos estendidas para a esmola suficiente, longe, mas perto, muito perto.

Para minha avó Arminda, meu avô Eurico, minha mãe Olívia e para a querida Renata Laili. Ao som de Control Machete. Botelhos/MG, 3 de julho de 2012.

Wednesday, March 28, 2012

Luta amada

Um retrato na cômoda emoldura uma presença incorpórea. Há quem sinta-se ofendido ao entrar na sala. Tantas décadas depois, ainda insistindo nisso. O pai morreu desgostoso, sem concordar com a ideologia do filho até o fim, sem concordar com a sua ausência espontânea e sobretudo sem concordar com sua ausência forçada. Jamais admitida por quem a provocou. Todos sabem quem foi, às vezes o responsável aparece no noticiário, com a cara de quem dormiu gostoso ao roubar as horas de sono alheias. Hoje foi a vez da mãe também se ir, sem nunca saber o que aconteceu com aquele filho idealista do qual ela se orgulhava, mesmo sem compreender o que exatamente todos aqueles discursos inflamados diziam. Até o último dia pressionou para que a verdade viesse à tona. O retrato será enterrado com ela.

Este texto faz parte da 5ª Blogagem Coletiva #DesarquivandoBR

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