Friday, August 28, 2015

Durutti Column

A meninada se posta diante dos dois maiores, que vão escolher os times.
Escolhem da forma mais equânime possível, mais ou menos medindo as forças de cada um, de acordo com o tamanho e as habilidades de cada moleque. Formados os times, vai-se para a pelada no campinho demarcado na rua, meio apagado devido à chuva repentina de verão do começo da tarde. As meninas jogavam também, tinham duas; ninguém se importava.
Eu lembro-me de quando meu xará tomou uma entrada mais dura. Expulsamos o forasteiro. Sim, nós mesmos éramos nossos juízes. Com um a menos, passei para o time deles. Ficou mais ou menos equilibrado; era o menos habilidoso, mas chutava forte umas bombas difíceis pros goleiros, que também jogavam na linha, segurar.
Terminada a partida, eu que estava perdendo num time acabei ganhando no outro. E montamos outros times, uma das minas não tava mais a fim, deu certo. Deu empate, acho. Se os anos oitenta ficaram conhecidos como a década perdida, nós só ganhávamos, independente dos resultados.

Monday, August 24, 2015

Theatre of Hate

O sorriso desvanece conforme viravam as costas e transmuta-se num esgar de desprezo. Tantos anos estudando artes cênicas renderam-lhe habilidades sociais imprescindíveis, pelas quais sempre ansiou. Adentra ao recinto segura de si, algo que logrou após anos de treino em dissimulação. As vestes hippies conferem-lhe uma simpatia que não denunciam seu artificialismo aos convivas.
Abrem-se as cortinas. A melhor atuação, no entanto, já havia ocorrido no átrio, antes do início da peça.
O final da peça é abrupto. O público, a princípio atônito, só passa a aplaudir quando as cortinas fecham-se sem aviso, segundos depois. Quando o elenco logo volta, aplaudem de pé, mas nota-se certo constrangimento, raras as exceções. Ela é uma destas.
Na saída, passa a falar o mais alto possível, para atrair todas as atenções. Agora sim começa o verdadeiro espetáculo, no qual reputações inocentes serão destruídas de forma sórdida, causando deleite ao público remanescente.
Por favor, desliguem os celulares.

Monday, August 03, 2015

Crispy Ambulance

Por favor.
- Samu, boa noite.
- Por favor, manda uma ambulância.
- Peraí, o que foi que aconteceu?
- A menina aqui, ela tomou todos os remédios.
- Ela está inconsciente?
-Não.
- Está falando?
- Sim.
- Você tem carro?
- Tenho.
- Ela tem plano de saúde?
- Tem.
- Então leva ela você mesmo para lá. É melhor. Vai demorar menos.
Durante o caminho, só ouvi nonsense vindo dela. Mas, pensando bem, sempre foi assim.