Tem duas bandas sobre as quais li
nos anos oitenta, em revistas de skate como a Yeah! e a Overall, e virei fã
antes mesmo de ouvir, só por causa dos nomes: Sex Pistols e Napalm Death. Eu
era garoto, estava começando a aprender inglês e ficava embasbacado. Como alguém
tinha coragem de batizar grupos com nomes tão fortes? A primeira vez que ouvi o
Never Mind the Bollocks foi inesquecível, porque cultivava expectativas
enormes, e sempre me decepcionei ao ter grandes expectativas com algo, menos
com o Sex Pistols. Já o Napalm Death atendeu perfeitamente ao que esperava, até
porque já tinha uma ideia melhor de como era a música, pois posteriormente li
mais um artigo sobre eles, na minha revista de HQ favorita, a Animal, escrito
pelo João Gordo. Ele descrevia o som deles e de outras bandas da Earache, a
gravadora independente que lançou o Napalm Death, como algo muito mais
barulhento do que era conhecido à época, o hoje bem estabelecido grindcore, e ao
final do texto afirmava “só sei que liquidificador com gelo também é música”.
Quando finalmente consegui ouvir o From Enslavement to Obliteration, já no
começo dos anos noventa, era exatamente isso.
Por inúmeras razões, ao longo dos
anos e das várias vindas do Napalm ao Brasil, nunca havia visto um show deles.
Agora, em 2016, com mais de quarenta anos, finalmente pude reencontrar-me com
minhas perspectivas de adolescente e as satisfazê-las completamente. Foi um dos
melhores shows que já vi. Como disse meu amigo Daniel Ikuma, foi o equivalente
a termos visto o Fugazi nos anos noventa.
Fui de última hora, no próprio
domingo do show, para São Paulo, devido a compromissos pessoais. Cheguei no Clash
Club exatamente dez minutos antes do show de abertura. Logo encontrei meu amigo
Otávio Mazza, o Tatá, que estudou jornalismo comigo na Unesp, no campus de
Bauru. Fomos para perto do palco e, depois de várias tentativas frustradas, vi
o Test pela primeira vez ao vivo. O duo de grind costuma tocar na rua e já
passei perto de shows deles um par de vezes, mas não havia conseguido parar
para assistir, mesmo já tento visto várias outras bandas no famigerado palco
Test, montado nas ruas de São Paulo durante as Viradas Culturais. Em cima de um
palco deu para sacar como ao vivo é uma pancadaria mais impiedosa do que no
estúdio, prescindindo mesmo do baixo, com a interação guitarra/bateria exalando
ferocidade, mas isto só me fez ter mais vontade vê-los tocando numa calçada, de
perto, pois a frieza do público, que só observava, e o palco não correspondiam
ao calor arruaceiro da apresentação.
O próximo show foi do Genocídio,
tradicional banda de death metal, existente desde 1986. Como nunca acompanhamos
a carreira deles com interesse fomos para trás para comprarmos algo para beber,
conversarmos e comprarmos discos do Napalm e do Test na banquinha. Deu para
sacar que é uma boa banda ao vivo, mas queríamos botar a conversa em dia e foi
bom, porque também encontramos meu velho amigo Fernando Punk perto da banquinha, junto
com mais dois amigos de Bauru. Essa característica das amizades duradouras e
reencontros felizes é um dos maiores prazeres de frequentar shows underground
ao longo de décadas.
Findo o show do Genocídio,
rumamos para perto do palco. Ia ficar mais para o lado, como no primeiro show,
mas o Fernando e a galera de Bauru foram mais para o fundo. O Tatá teve a feliz ideia de irmos ficar exatamente em frente à banda, um pouco
atrás das pessoas que estavam grudadas ao palco. Achei que não daria conta, mas não
gosto de ficar atrás, por ser mais baixinho. Quando o show começou abriu a roda
e como sempre acabamos sendo empurrados mais para frente. Dali não saí mais. Mesmo
meio prensado, me diverti demais e consegui pogar um pouco. Não entrei na roda
um pouco atrás para não parar lá no fundão e ficar mais difícil de assistir o show
com muita gente na frente e optei, por isso mesmo, em não subir no palco desta
vez para um stage dive – certeza que pararia longe também. Claro que por isso
virava e mexia tinha que segurar alguém que pulava.
Não cultivei expectativa nenhuma sobre o show.
Sabia que mudavam o setlist a cada apresentação. O que é ótimo, bem diferente
das bandas preguiçosas que pululam por aí. Simplesmente deixei fluir e não me
preocupei se iam tocar ou não minhas favoritas. Mas várias delas vieram.
Unchallenged Hate, Scum e You Suffer, por exemplo. Essa última tocada de
surpresa, sem anúncio. Um segundo só. Quem olhou para trás perdeu. Eu vi. Emocionante.
Em Greed Killing o vocalista Barney Greenway apontou o microfone para algumas
pessoas que estavam na frente berrar o “When?” do refrão e tive a felicidade de
ser uma delas! E eu, que estava gripado, tomando muito remédios para dor de
garganta, consegui gritar ao microfone num show do Napalm Death. Nunca nem
sonhei com isso e ao mesmo tempo é a realização de um sonho adolescente. Barney
é muito simpático e conversava muito com o público e mais ao fim do show vi uma
cena muito legal: um cara se aproximou e gritou, em inglês, que um
amigo havia perdido o tênis ao subir no palco. Barney pediu para o cara
aparecer e mostrar o pé descalço; o sujeito veio lá de trás e o mostrou que
estava só de meia, então Barney achou o tênis e o devolveu. Era um clima
muito amigável, a despeito da agressividade desmedida do som. Num dos
intervalos, gritei para tocarem Nazi Punks Fuck Off, do Dead Kennedys. Barney
ouviu e respondeu que era daqui a pouco, só aguardar. Um sujeito ao lado pediu
para tocarem Love of my Life, do Queen, de brincadeira, o que provocou risadas
em muita gente por perto, inclusive da banda. Nazi Punks Fuck Off veio, eu
estava pertinho, foi um atropelo, logo depois de Low Life, outra versão; a original é do Cryptic
Slaughter. Quando o show acabou, curto e grosso, sem bis, eu estava mais
disposto do que quando cheguei.
Uma das poucas fotos que tirei do show, pois como estava perto demais do palco fiquei com medo de perder o celular em meio à agitação. |