Lembro-me calorosamente do meu primeiro beijo. Foi
em 1985. Ela era bem mais velha; ainda adolescente e com apreço por usar uns decotes
que me fascinavam. À época havia uma novela global que tinha como protagonista
um estilista que durante a trama lançou um batom chamado Boka Loka. O tal do
batom tornaria irresistível quem o usasse, fazendo quem estava por perto querer
beijar a pessoa a qualquer custo. Talvez O Perfume, do Patrick Süskind, tenha
sido a gênese desta ideia, ocorre-me agora. Afinal o livro foi lançado naquele
ano. Enfim, eu tinha só dez anos, ia fazer onze. Ela tinha quinze ou dezesseis.
Ela passou o batom dela em mim e me beijou até tirá-lo. A língua tinha um gosto diferente e apetitoso. Ela deixou que eu
passasse a mão na bunda dela, em outra ocasião. Foi só isso e foi muito bom. O
batom foi lançado de verdade, anos depois, mas tenho certeza de que não teria o
mesmo gosto.
Wednesday, December 28, 2016
Tuesday, December 27, 2016
Au Pairs, crônica sobre uma infância feliz.
Primeiro, quando meus pais faziam
faculdade, era uma moça ainda adolescente. Era eles saírem e ela pegava o
telefone para passar trote em algum felizardo. Tinha uma linha de disk amizade,
algo assim, na qual se podia falar com qualquer um que estivesse “online”. Acho
que deu sujeira, vinha uma conta cara, não lembro mais direito. Daí ela começou
a ligar a esmo e passar cantadas vagabundas em qualquer trouxa que acreditasse.
A cara de pau marcava encontros nos quais não ia e nem pretendia. O dia mais
massa foi quando ela conseguiu convencer um fulano de que ela era rica. Ela
pediu para eu e meus irmãos pegarmos um balde e o enchermos d’água. Feito isso,
ela espalmava a mão n’água e falava que estava mergulhando na piscina.
Morríamos de rir. Essa aí não durou muito, era muito desajuizada. Consta que
casou com um fazendeiro rico, quando perguntei dela, muitos anos atrás. Deve
ter uma piscina de verdade agora.
Depois foi uma moça muito gente
fina e mais inteligente. Creio que posso citar o nome dela: Fátima. Dela
infelizmente não sei mais nada. Ela esperava um pouco para meus pais saírem
para a aula. Telefone nos anos oitenta era algo muito sério, do qual ela
mantinha distância. Assim que estava limpo, íamos todos para a rua. Ela sentava
na porta do prédio e ficava trocando ideia com as minhas vizinhas que já eram
adolescentes. Suponho que sobre garotos, nunca prestei atenção às conversas.
Minha rua virava uma bagunça danada. Das sete e pouco da noite até as dez era
lotada de criança zoando no talo. Não sei como nenhum vizinho não nos dedurou a
nossos pais. Acho que ali, na rua Platina da minha infância, todo mundo mais
velho era como sou agora com relação à molecada do meu bairro: se há crianças
implodindo a rua à noite de tanto brincar, é porque posso dormir sossegado,
pois estou num lugar muito seguro.
Monday, December 19, 2016
Agent Orange, uma breve crônica.
Nunca me esqueci de uma música de
um vídeo de skate chamada 2+2=5, do Agent Orange, uma das bandas que mais amo.
Até aprendi com uma amiga, nos anos oitenta mesmo, como se pronunciava dois
mais dois igual a cinco em inglês. O problema é que já há alguns anos, com o
acesso fácil à informação na internet, descobri que essa música definitivamente
não existe. Era um vídeo de um programa de TV lendário, o Grito da Rua, e o
amigo que o gravou, Maurício, morreu há vinte anos. Dificilmente verei isso de
novo algum dia. Ou legendaram erroneamente o vídeo e trocaram o nome da banda,
ou sonhei com essa cena quando era adolescente e a memória solidificou o que
era onírico. Era uma música tão legal, ela precisava existir.
Foto que tirei de Mike Palm, do Agent Orange, em junho de 2014, num dos shows mais emocionantes da minha vida. |
Tuesday, December 13, 2016
Peter Hook and the Light, crônica sobre o show
Joy Division é a minha banda
favorita. Amo New Order desde criança, quando era uma banda mega popular que
tocava no rádio o tempo todo, no auge de um termo que me parece esquecido hoje,
o tecnopop. O primeiro disco do New Order que ouvi foi a coletânea Substance,
em 1988, embora lançada em 1987. Minha música predileta era Ceremony, mas a
achava estranhamente diferente das demais e muito melhor. Só dois anos depois
fui saber que foi composta um pouco antes do suicídio de Ian Curtis em 1980 e
reaproveitada pelos sobreviventes do Joy Division no novo grupo, o New Order.
Ou seja, Joy Division já era minha banda favorita e eu nem sabia. Naquele ano
vi um vídeo de skate, creio que do Vibração, gravado no campeonato no prédio da
Cásper Líbero. Nele pela primeira vez ouvi Love Will Tear Us Apart; não sabia
de quem era a música e nem o seu nome, o que me marcou é que um arrepio subiu
pela minha espinha. Nunca havia ouvido nada tão lindo e até hoje não conheço
algo comparável. Pouco tempo depois ouvi uma radialista conterrânea chamada
Flávia tocar Love Will Tear Us Apart, dizer que era do Joy Division e a emendar
com Ceremony, dizendo que não era uma coincidência. Desconfiei que havia uma
ligação entre as bandas e em 1990, ao ler um artigo do já falecido jornalista
Celso Pucci (guitarrista da banda de alt-country 3 Hombres) na lendária revista
de HQ underground Animal, descobri que estava certo e me inteirei sobre a morte
de Ian Curtis e a transmutação do JD no New Order, um nome apropriado. A
percepção que tive era de que o NO era uma banda alegre para compensar a dor e
o tom soturno do JD, algo que vejo até hoje os integrantes confirmarem em
entrevistas. Enfim, ao longo dos anos fui completando a discografia do Joy
Division, a maioria gravada em fita cassete. Algo que me impressiona
profundamente é que o disco perfeito para mim, o segundo álbum deles, o Closer,
só o seja no Brasil; só a versão brasileira saiu com Love Will Tear Us Apart de
bônus. De qualquer forma, curiosamente, o disco deles que mais ouvi –
justamente porque foi o único vinil que consegui à época – foi a coletânea que
tem o mesmo nome da do New Order, Substance, que possuía a indicação 1977-1980,
algo que sempre me fascinou por ser um período da música pelo qual sempre me
encantei. Meu irmão Eurico percebeu nos vídeos de skate que tinham músicas do
Joy Division e em especial no Substance, principalmente quando tem início a
segunda música, Leaders of Men, que o que se destaca na banda é o baixo. Nós
nunca conseguíamos ouvir o baixo em banda nenhuma, a não ser no New Order, no
PIL, no Sisters of Mercy, na Legião e principalmente no Joy Division, em que o
grave é simplesmente animal. Animal, não tem outra palavra pra descrever. Notamos
que essa marca da banda, junto ao vocal grave, parece ter influenciado
infinitas bandas.
Corta para 2016, vinte e oito
anos depois. O New Order esfacelou-se e o responsável por aquele baixo, Peter
Hook, está brigado com a banda e tocará na íntegra os dois Substances numa
turnê, a qual passará para o Brasil. Tenho que ir, claro. Queria ter 18 anos em
1977, mas não tem jeito, o modo mais próximo de chegar perto do Joy Division é
este. Então peguei o busão com meu amigo Bruno Karnov e cheguei ao show do
Peter Hook and the Light em São Paulo, na Liberdade, às 22:00 em ponto, depois
de correr muito pela rua e pela estação de metrô Tietê, devido a contratempos
que me impediram de ir mais cedo. A divulgação dizia que o show começaria
pontualmente. Até eu entrar e achar um lugar legal para ver era 22:02. Às 22:03
o show começou, como se Hooky tivesse me esperado. Muito obrigado. Do fundo,
esbaforido, vi uma gentileza: ele começou com o Substance do New Order, mas com
três músicas bônus do segundo CD. A primeira foi In a Lonely Place, sombria,
combinando com o fato de que foi a última letra (salvo engano) escrita por Ian Curtis, pouco antes de se
matar. Procession foi linda ao vivo, o sintetizador emulou bem a sonoridade
original. Preocupado em encontrar um lugar melhor no meio das pessoas, nem
prestei muita atenção na terceira música, acho que foi Cries and Whispers
mesmo. Aí veio Ceremony. Aí sim. Que linha de baixo. Que textura e timbre
absolutamente pessoais. Que coisa linda finalmente vê-la ao vivo. De Everything’s
Gone Green em diante o show dedicado ao New Order degringolou um pouco. Muitos
samplers, não eram sintetizadores sendo tocados na hora, mas sim bases
pré-gravadas idênticas ao disco; soava como mero playback para que Peter Hook e
seu filho se revezarem no baixo, notadamente enquanto Hooky cantava. Num tom
mais grave, Hook engana, mas foi sábio quando ele deixou para o guitarrista
David Potts cantar músicas como Confusion, pois seu tom lembra bastante o de
Bernard Sumner. Houve bons momentos, como Perfect Kiss, mas quando a parte
dedicada ao New Order chegou ao fim, com todo o Substance executado mecanicamente
na ordem e com 1963 de bônus, entrou o som mecânico rolando Kraftwerk e o
próprio New Order. Fiquei com a sensação de que fazia pouca diferença; era só o
baixo que se destacava ao vivo mesmo. Muita gente foi para trás, neste momento,
para comprar cerveja e tomar um ar. Que sorte! Cheguei mais perto do palco e,
como se não bastasse, ali chegava o ar condicionado. Antes da apresentação recomeçar,
ouvi uma garota perto dizendo para o namorado, empolgada: “Ele vai tocar o
Substance do Joy Division também? Não acredito, que incrível!”. Pensei:
gostaria de ser feliz na ignorância também. E não é que meu desejo se realizou?
Hook e a banda voltaram e também começaram por músicas bônus do Substance do
JD, como No Love Lost e These Days. Mas, ao contrário da seção dedicada ao New
Order, não se circunscreveram ao Substance. Para minha completa incredulidade,
tocaram a minha música favorita de todos os tempos: Disorder. Faltou peso no
baixo, tocado pelo filho dele, mas era Disorder. Cantei a todos pulmões, até
agora não acredito, parecia um sonho. Foi um sonho. De quebra, ainda tocaram
Shadowplay. Baque à parte, lá veio: 3,5,0,1,2,5, go! Finalmente o Substance na
ordem original do LP. Só havia quatro pessoas pogando: eu, um cara grandão e
negro (achei legal demais, o público não era tão branco para uma banda que no
passado era cultuada por um público “dark” metido a elitista), uma moça e um headbanger.
Quando um sujeito subiu no palco para um stage dive, ninguém quis segurar e ele
desceu sem pular; o Hook chegou a rir da situação. Warsaw veio com um intermezzo
desacelerando-a e depois dá-lhe porrada de novo; Leaders of Men teve o baixo um tiquinho mais pesado; Digital
manteve o ritmo; em Autosuggestion, durante a qual filmei alguns trechos,
aceleraram bastante o andamento no refrão; em Transmission a maioria dos
presentes cantou junto; em She’s Lost Control faltou a bateria acústica junto
com a eletrônica, mas o duelo de baixos robóticos valeu a pena; em Incubation
foi estranho ver a banda sem Hooky no palco; Dead Souls foi outro sonho, pois
sempre achei que ficaria boa com dois baixos e nela Hook e seu filho
complementaram-se tocando juntos o tempo todo. Deu-se uma pausa e foi
engraçado: um cara que parecia um cosplay do Mark E. Smith do The Fall subiu ao
palco e disse que a próxima música era dedicada à Chapecoense, cujo time morreu
quase todo no acidente aéreo que ocupou a mídia por boa parte naqueles dias. O
público ovacionou, fiquei na minha. Não achei totalmente inadequado, ingleses
amam futebol, mas me pareceu algo piegas. O banger que estava perto gritou
“Foda-se a Chapecoense!” e foi embora desgostoso. Iluminaram o palco de verde e
lá veio Atmosphere. Achei que seria uma breguice medonha, é a música do disco
que menos gosto, mas não é que deu certo? A música ganhou vida ao vivo, aliás
isso me chamou demais a atenção: por mais que eu ame o New Order, não dá para
comparar mesmo com o Joy Division, cujas músicas, ironicamente ou não, pulsam
vida no show. Por fim, um dos grandes momentos da minha vida aconteceu neste
show. Não esperava nada do final. Love Will Tear Us Apart é uma música que ouvi
ad nauseam. Eu tenho o espírito, mas perdi o sentimento. Quando ela teve
início, destacando mais o baixo do que teclado, aquele arrepio que senti na
espinha há vinte e oito anos subiu de novo. Acabou sendo meio rock de arena do
meio para frente, mas não tem importância, aproveitei para pensar em todas as
mulheres que me marcaram. Ainda tenho o espírito e o sentimento, apesar de ter
achado que perdi o último há anos. Nunca imaginei que teria a mesma sensação de
encantamento com Love Will Tear Us Apart de quase três décadas atrás. Ian
Curtis cometeu o único erro. Por mais que o mundo seja frio e áspero, a vida é
a única coisa que vale a pena ser vivida, como dizia Will Shatter.
Peter Hook and the Light no Cine Joia, seis de dezembro de 2016. Tirei a foto com celular. |
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