Certa feita caí doente a ponto de
preocupar muito minha mãe e meu pai, já calejados com crianças enfermas, o que
é bem normal. Tive uma infecção das vias aéreas superiores que os obrigou
comprar um aparelho para inalação. Tomados os remédios receitados pelo pediatra,
fiquei ótimo, mas houve um efeito colateral inesquecível. Tive alucinações
muito vívidas.
Foi talvez a experiência mais
psicodélica da minha vida e curiosamente aconteceu com drogas legais e quando
eu era criança. Após a inalação, deitei-me na cama dos meus pais. Fiquei de boa
por um tempinho, até que vi um clone meu emergir da minha barriga. Foi um
nascimento sem sangue, simplesmente um gêmeo originou-se de mim e ergueu-se
sobre meu corpo. Só que não parou aí. Outro clone saiu da barriga dele,
simplesmente emergiu também. Antes que me desse conta de dizer algo, cópias
exatas de mim apareceram por todo o quarto, simplesmente brotaram no ar.
Estavam todos com a mesma roupa que eu estava usando, um shorts e uma camiseta
cinza do Mickey. Senti que todo o oxigênio estava sendo sugado do cômodo e
levantei-me desesperadamente, empurrando meus outros eus. Eles sumiram assim
que me movi; enquanto recuperava o fôlego achei que tinha sonhado.
Aquietei-me e deitei-me
novamente. Estava muito mole para chamar por alguém de casa. Não deu um minuto
e apareceu mais um clone. Mas dessa vez era uma miniatura do tamanho de um
boneco do Falcon, popular nos anos oitenta, andando por cima da cômoda. Mas era
eu mesmo, com a mesma roupa, numa versão liliputiana. Este pequeno clone era
agressivo. Ficou me xingando, o que estava de bom tamanho, perdoem-me o
trocadilho infame, pois ao menos era um só. Mas ele foi me irritando tanto me
chamando de babaca e berrando outros impropérios gratuitamente que quis dar um
jeito nele. Fui pegá-lo e bati a testa na quina da móvel. Ele me encarou um
pouco e sumiu. Nessa hora tive certeza que nada daquilo era sonho e que foi
tudo alucinação.
Creio que se isso acontecesse
hoje em dia ficaria encanado. Mas como era criança, achei tudo ultra divertido.
Tirando o susto da falta de ar e a dor momentânea de ter batido a cabeça,
findas as duas alucinações, não foi nada muito aterrorizante. Na verdade,
visualmente foi fascinante. Virei pro lado e dormi. Nunca mais tive algo assim.
Nem comentei nada para meus pais no dia seguinte, já que não me preocupei nem
um pouco. Já contei essa história para alguns amigos e agora me dou conta de
que deveria ter contado para os adultos o que se passou comigo, afinal há nas
bulas os efeitos adversos que advém desses relatos. Mas nem me lembro o nome
dos remédios mais, não faço a menor ideia. Deve ser um efeito colateral
raríssimo. Tudo bem, boa viagem.
Daniel Souza Luz é
jornalista e revisor
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em seis de janeiro de 2018; era inédita e esta versão é idêntica, não a reescrevi ou precisei corrigi-la ao revisá-la. Embora não mencione e não seja inspirada na banda, o título é uma homenagem ao The Cure.
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