Estava distraído.
Parado no semáforo, conversando sobre política, um assunto deprimente nesta
cidade em fevereiro de 2018, em que somos obrigados a saber que há um vereador obtuso
falando abertamente que tem saudades da ditadura na mesma Câmara na qual, nos
anos setenta, o então vereador oposicionista Dgeney Diniz de Melo foi
perseguido por um mero pronunciamento sobre a PM, a ponto de o episódio figurar
no notório livro Brasil Nunca Mais, com denúncias dos abusos cometidos pela ditadura
militar.
Enfim,
enquanto ainda há liberdade de expressão, eventualmente usada cinicamente nos
seus limites por essas figuras toscas que exultam regimes que a tolhem (pior
ainda: um vereador filiado ao partido fundado por Miguel Arraes, cassado pelo
regime militar), voltemos para o garoto, mais um, mas parecido demais com os
demais: de barbicha, roupas que aludem ao circo, muito jovem, malvisto na
família (provavelmente). Fazendo malabarismo com bolinhas. Ou malabares, como
dizem.
Notei-o
quando errou: uma bolinha escapou e foi parar embaixo do carro ao lado. Sorri –
na verdade, ri da cara dele. Ele foi safo o suficiente para levar na esportiva:
não se deixou abater, pegou uma das bolas que restaram, vermelha, e a pôs em
frente ao nariz, emulando um palhaço que não meteria medo nem na mais
traumatizada criança que teme essa figura.
Procurei
desesperadamente por umas moedas, mas, como não estava prestando atenção antes,
não as encontrei. Quando ele se aproximou, entreguei uma bala. A desculpa que dei
é que ela poderia lhe dar energia. O semáforo, que não estava para brincadeiras,
deixou de ser vermelho.
Foto de René Mayorga, intitulada Malabares. Disponível via licença Creative Commons no Flickr: https://www.flickr.com/photos/elchurro/158478618/ |
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) no dia 17 de fevereiro de 2018. É uma versão ampliada e principalmente atualizada da minha crônica Public Image Limited (uma homenagem à banda, obviamente), publicada aqui no blog em 12 de julho de 2015. Aproveitei a reflexão do texto original para fazer referência ao triste episódio que menciono, no qual um vereador da bancada da bala local elogiou a ditadura em sessão da câmara municipal, pois não me lembrava mais sobre qual episódio político estava conversando naquele semáforo, na avenida Santo Antônio, em 2015. Queria fazer uma crônica política, analisando o recente fato, e veio a calhar o texto antigo, assim como seu título, para dar um pouco mais de leveza.
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor
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