Uma rixa adolescente das mais
típicas é por causa de música. Deveria ser ao menos, melhor do que futebol.
“Silver Rocket é mais hardcore do que qualquer música do Bad Religion”,
“Inocentes nunca será tão bom quanto Cólera”, “Credo, vocês só ouvem barulho,
música de verdade é Stravinsky” e por aí vai. A possibilidade de alguém sair na
pancada por causa disso é muito menor também, convenhamos.
Da juventude, guardo o encanto de
amar sons que me fascinavam, mas que não fazia a menor ideia do que seriam. Por
exemplo, quando vi um anúncio de uma marca de skate dos anos oitenta, já
extinta, salvo engano a Momento Angular, fiquei fascinado pelas belas melodias
das guitarras da trilha sonora. Só quando pude gravar um CD do Sonic Youth,
Daydream Nation, quatro anos ou cinco anos depois, é que descobri, por acaso e
exultante, que aquela música inspiradora chamava-se The Sprawl. Ainda que já
conhecesse o grupo, não desconfiei que fosse deles; mesmo no início da música
não reconheci o timbre, mas quando finalmente aquelas guitarradas densas afloraram
nas caixas de som fiquei extasiado ao reconhecê-las.
Atravessar a brisa, como se diz
hoje, daquelas discussões e sair incólume era um pouco difícil. Era um lixo
total, ainda é, aturar algum músico metido a besta dizendo que tal som é
simplório, que qualquer um faz e tal, que bom mesmo é, sei lá, Rush. Aliás,
quem dizia isso eram os caras que nunca compuseram nada de bom na vida e cuja
utilidade, ainda nos dias de hoje, é reproduzir as músicas de outrem, quando
muito, em algum barzinho em que ninguém lhes presta atenção. Eventualmente têm
fazer isso com o que desprezavam antes como muito simples; músicas dos Beatles,
por exemplo. Bem feito.
“Ei, Joni Mitchell é muito bom,
conhece?”, “Tá viajando, Eric. Você não era radical, não gostava só de death metal?
Como pode falar que Guns n’Roses é ruim se gosta desse troço hippie? Poser!”.
Testemunhei diálogos mais ou menos assim, amigos patrulhando o gosto musical
dos outros. O certo era tomar a providência de botar panos quentes, mas
adolescente gosta mesmo é de carregar vela pra pôr fogo na lona do circo, né? E
aí não havia rei da chuva para apagar as chamas da treta. Acho até engraçado
ver quem é mais novo chamar os outros de posers hoje em dia, antes esse
xingamento era restritos a adolescentes dos anos noventa que gostavam de hard
rock dos anos oitenta.
Conforme se ganha a habilidade de
se dar uns beijos, brigas musicais se tornam menos intensas, talvez. Não há
verdades absolutas. A paixão, no entanto, nunca diminui. Mas é melhor ficar em
casa lendo trilogias e pondo bons LPs na vitrola do que perder tempo discutindo
com cabeças de bagre que não entendem que Green Day nunca será melhor do que
Ramones, o que é uma verdade científica insofismável.
Daniel Souza Luz é
jornalista e revisor
Detalhe de um show do Sonic Youth em Paredes de Coura, Portugal, 2007. Foto de Catarina Limão, via licença Creative Commons. A postagem original da fotografia pode ser vista aqui. |
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 23 de junho de 2018. Era inédita até então. A escrevi no dia 21 de junho e a revisei no dia 22, acrescentando a frase "Não há verdades absolutas" e a piada da última frase (espero que entendam a ironia). O título é uma homenagem ao Sonic Youth, cujo nome já havia dado a um conto que publiquei aqui no blog em 25 de janeiro de 2015. A maior inspiração para esta crônica foi o disco Daydream Nation, de 1988; cito os nomes de todas as músicas, disfarçadamente ou não, ao longo do texto - menos os nomes específicos das partes de Trilogy; não soube como fazê-lo.