Tuesday, August 14, 2018

Uma Banda Chamada Morte

O anúncio da vinda do Death ao Brasil, em fevereiro de 2016, foi surpreendente. É um mito. Não tem nada a ver com o grupo de death metal dos anos oitenta/noventa, do qual gosto também e que ainda excursiona em homenagem ao fundador Chuck Schuldiner, já morto. O Death em questão foi formado por três irmãos negros em 1971, os Hackney, que lançaram apenas um compacto em 1974. São de Detroit, como as bandas mais importantes do protopunk (ou seja, que já tocavam punk rock antes do estilo existir), o Stooges e o MC 5. Foram redescobertos já no século XXI e o disco com todas as gravações de 1974 foi lançado em 2009.
Como no caso do homônimo, o Death protopunk perdeu para o câncer o guitarrista e mentor, David Hackney, e excursiona em homenagem a ele, mas com um diferencial: fazem músicas novas, pois seguiram tocando rock cristão e depois reggae sob outros nomes ao longo das décadas seguintes ao fim em 1977. Para isto, recrutaram seu guitarrista Bobbie Duncan, da banda de reggae, o Lambsbread. Um grupo fantástico; as gravações de 1974 lembram o que o Bad Brains, a banda fundamental para o surgimento do hardcore, também formada por músicos negros, viria a fazer cinco anos depois. Já vi o Bad Brains ao vivo, não podia perder este show.
Meus problemas começaram aí: eles fariam três apresentações; uma em Curitiba, de graça, mas longe demais, não teria onde ficar, e duas em São Paulo, no Sesc Belenzinho. Ingresso barato, mas o duro é que esgotaram assim que começaram a ser vendidos na web. Tentei comprar horas depois do início da venda, quando já estavam esgotados. Poderia pegar pessoalmente no dia seguinte, mas moro no sul de Minas Gerais. Solução: pedi para um amigo de Sampa, o Bruno Karnov, falecido há um mês e para a qual escrevi uma crônica em homenagem há duas semanas, para pegar o ingresso para nós.
Dá-lhe aventura: macaco velho, ele falou para eu relaxar e NÃO FOI PEGAR os ingressos. Tinha um jeito melhor. Era mesmo, mas meio desesperador para quem mora longe. Ele me pôs em contato com o Clodô Paiva, velho chegado dele, que tinha um camarada que pegou uma cota boa de ingressos para quem precisasse. Na quinta, um dia antes do show, conversei com o Clodô, que me pôs em contato com o amigo dele, o Sandro. Se não fosse o Bruno e o Clodô eu nem teria ido ao show e eles infelizmente não foram; o primeiro perdido na noite; o segundo tinha que trabalhar.
Combinei de pegar o ingresso com o Sandro, que nem conhecia, e fiquei de encontrar dois velhos amigos, a Aline de Castro e o Gustavo Cardoso. Peguei o busão às 14:00, atrasadaço. Queria chegar em Sampa bem antes do horário de pico. Todo mundo iria viajar devido ao carnaval, certeza que as marginais estariam entupidas.
Fui combinando com a Aline, o Cardoso e o Sandro ao longo da viagem usando o celular com parcimônia, pois eu não levei carregador. Ela já tinha chegado a São Paulo e o meu ônibus indo devagariiiinho. Cheguei às 19:00, aproximadamente. Surpresa: até que as marginais não estavam tão zuadas. Corri para o metrô, satisfeito. O Sandro me disse que estaria de regata e bermuda vinho, vou em direção à bilheteria e voilá, vejo alguém trajado assim. Era ele mesmo, havia acabado de chegar também, com nossos ingressos. Era para eu ver o show, pus na cabeça que ia ver. E vi.
Estava perto do guitarrista Bobbie, daí decidi ir para o outro lado quando o baixista e vocalista Bobby Hackney começou a falar sobre a Motown e Marvin Gaye, de como a soul music era importante para eles, e tocaram algo que não reconheci, mas supus ser o Gaye. Queria ficar perto do Bobby, afinal ele canta aquelas músicas há mais de quarenta anos, e consegui ficar em frente, muito perto dele; pena que não dava para ver direito o batera tocando, o Dannis Hackney. Então sinto um toque no meu ombro, era a Aline, em quem dei um abraço e dois beijos, não um só, de felicidade. O show foi lindo, não tem nem muito o que falar, senão estraga a sensação, indescritível para quem não vi(ve)u.
Findo o show, após o bis, despedi-me de Sandro e seus amigos e fui dar uma volta com a Aline para acharmos o Cardoso. O encontramos. Reparamos que havia uma banquinha na qual os caras do Death estavam dando autógrafos. Ela me ajudou a escolher uma camiseta e comprei um pôster para autografar. Após tirar uma foto com eles resolvi trocar algumas palavras; soltei um “I came from a small town so far away, thanks for the show!” ao que eles responderam com largos sorrisos e um sonoro “Thank you!” que me pareceu genuinamente empolgado.
Foi uma noite quase perfeita, então foi perfeita. Se fosse perfeita, não seria punk. Despedi-me da Aline no metrô e fui dormir na casa do Bruno. Ao pegar o ônibus de volta para casa, no dia seguinte, comprei o Laranja Mecânica do Anthony Burgess e voltei lendo-o sem ouvir música nos fones. Não precisava.
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor 

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade, de Poços de Caldas/MG, em 11 de agosto de 2018. É uma versão resumida e com algumas atualizações (infelizmente meu amigo Bruno, citado na crônica, faleceu em julho deste ano) de Death, uma crônica protopunk, publicada aqui em oito de fevereiro de 2016, três dias após o show.  

Death ao vivo em cinco de fevereiro de 2016, no Sesc Belenzinho, em São Paulo. Tirei a foto com celular, ficou com a qualidade razoável, creio.