Numa ocupação de secundaristas
em 2016, na Escola Estadual David Campista, um moleque que gostava de tocar
violão estava ensinando os acordes de Come As You Are para um colega dele.
Mostrei Eighties, do Killing Joke, no celular. Ele ficou impressionado com a
semelhança e lhe expliquei que era uma referência explícita mesmo que o Nirvana
havia feito, pois Come As You Are é de 1991 e Eighties, bem, está no nome, é
dos anos 1980. Não me lembro mais o nome dele, nunca mais tive contato e se o
encontrar hoje talvez sequer o reconheça, mas após me perguntar um pouco sobre
músicas dos anos 1980 e 1990, ele me disse algo importante, para o qual dou
mais ouvidos agora, depois de questionar minha idade: “Então você foi
adolescente mesmo nos anos noventa. Devia dar mais valor àquela época”. Ele
está certíssimo, embora eu seja mais apegado às memórias de quando tinha de 13
a 15 anos, de 1987 a 1989, na pré-adolescência. Era sobre isso que estava
falando antes dele me interromper e soltar essa verdade na minha fuça. Lembro
com muito carinho da turma de amigos daquela época, do New Order, da descoberta
do punk rock, skate, das revistas MAD e Chiclete com Banana, que foi minha
introdução à HQ underground e o que há de mais interessante na literatura.
Esqueço que a época do grunge também foi boa, mas com mais percalços. Minha
adolescência ter sido confusa é bem o reflexo do zeitgeist daquele começo de
década, que parecia saudável e não foi. Uma das melhores tiradas sobre aqueles
tempos é uma entrevista de Buzz Osbourne, do Melvins, pioneiros das bandas de
Seattle: um repórter da revista de skate Thrasher perguntou para ele no final
daquela década quem era o maior fã do Melvins e ele respondeu: “Kurt Cobain. E
veja só como ele terminou. Morto”. Recordo-me também com exatidão de um texto
da jornalista Gabriela Dias no excelente fanzine Panacea, que virou uma revista
que se destacava em meio às publicações sobre cultura alternativa que pipocaram
à época, pois eles faziam uma cobertura mais aprofundada. Ela afirmava no texto
que a ascensão do grunge era o início de uma era mais inteligente no rock, sem
sexismo e racismo. Foi ingenuidade, é só ver o burríssimo e reacionário público
do rock mais estereotipado de hoje, mas era o que aqueles tempos pareciam inspirar.
No plano pessoal, nem falo nada da maioria das amizades daquela época – “nem
falo nada” é força de expressão. Quase todos hoje são rematados fascistas. É
impressionante como não liam os encartes, não viam a imagem da sede do Partido
Republicano queimada no In Utero do Nirvana (aquela foto não estava lá por
acaso), não se atentavam às letras, mesmo os que sabiam algo de inglês. Tudo
bem, quase todas eram crípticas, mas custava ler as entrevistas e tentar
entender sobre o que falavam? Só depois que mudei de Poços de Caldas me livrei
do que hoje percebo que era um ambiente improfícuo e ignaro, ainda pior do que
o da escola no ensino médio – felizmente, não demorou tanto para me afastar. Só
fui sentir uma lufada de ar fresco, de cotidianamente descobrir boas músicas,
ver bons shows e participar de discussões inteligentes, quando fui cursar a
universidade de Jornalismo em Bauru. Serve The Servents dá a letra: “a angústia
adolescente valeu a pena”. O instinto estava correto: idiotas devem ser
escrupulosamente evitados, sempre, em qualquer época, em qualquer lugar.
Daniel Souza Luz é revisor, jornalista, escritor e professor
Esta crônica foi publicada na página 8 da edição 7931 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG). Eu mesmo revisei o texto.