Farei um comentário mais alentado a respeito de Pedro Páramo (2024, Rodrigo Prieto), pois o filme é baseado num dos meus livros prediletos, a obra-prima homônima do escritor mexicano Juan Rulfo. Sempre causa preocupação a adaptação cinematográfica de uma obra tão portentosa. Prieto é fotógrafo de inúmeros filmes e estreou na direção de um longa-metragem fazendo um bom trabalho. A adaptação é fidelíssima, na medida do possível. A estrutura intrincada do romance foi preservada, mas tal sofisticação pode causar certa dificuldade de compreensão, devido à complexidade da trama, para quem não o leu. O narrador se transfigura, tal qual no livro. O todo poderoso personagem que dá título à obra tem inúmeros acólitos, um protegido, uns poucos inimigos cínicos ou covardes e muitas vítimas, especialmente mulheres. Suas vozes fantasmagóricas conduzem a trama, também como no livro. Portanto, não há exatamente um protagonista, mas vários, o que demanda muita atenção. De qualquer forma, creio que o espectador que não é afeito à obra conseguirá discernir que se trata de um retrato das relações crudelíssimas de poder num México semifeudal, no qual os pouquíssimos senhores de terras têm poder de matar e violar, principalmente sexualmente, os corpos que bem entendem, quando quiserem, sempre impunemente. A revolução, então em curso, só aumenta a violência e nada traz de alento às vítimas. Bem, quem leu, sabe. Da minha parte, um defeito quase imperdoável do filme é não dar a dimensão da imensidão da Media Luna, que é mencionada repentinamente, ou do acidentado caminho para alcançá-la, retratado como uma planície. Faltam certas introduções, que poderiam estar presentes, e o detalhismo das descrições de Rulfo, algo que o cinema fatalmente não consegue captar. Eu consigo até sentir o cheiro das flores do sabão-de-macaco descritas na início do livro e não faço ideia de como é tal aroma. No entanto, a mítica cidade de Comala, trazida à vida pela imaginação de Rulfo, e especialmente as cenas no interior do estabelecimento de Eduviges são quase exatamente como as visualizei na leitura. As frases mais marcantes do livro estão presentes nos diálogos, mas senti falta de algumas, especialmente no começo. De qualquer forma, isso são preciosismos de um admirador de Rulfo. Esta adaptação, mais do que digna e fiel, é ótima.
Imagem de divulgação da Netflix. |