Monday, December 02, 2024

Pedro Páramo (resenha do filme)

Farei um comentário mais alentado a respeito de Pedro Páramo (2024, Rodrigo Prieto), pois o filme é baseado num dos meus livros prediletos, a obra-prima homônima do escritor mexicano Juan Rulfo. Sempre causa preocupação a adaptação cinematográfica de uma obra tão portentosa. Prieto é fotógrafo de inúmeros filmes e estreou na direção de um longa-metragem fazendo um bom trabalho. A adaptação é fidelíssima, na medida do possível. A estrutura intrincada do romance foi preservada, mas tal sofisticação pode causar certa dificuldade de compreensão, devido à complexidade da trama, para quem não o leu. O narrador se transfigura, tal qual no livro. O todo poderoso personagem que dá título à obra tem inúmeros acólitos, um protegido, uns poucos inimigos cínicos ou covardes e muitas vítimas, especialmente mulheres. Suas vozes fantasmagóricas conduzem a trama, também como no livro. Portanto, não há exatamente um protagonista, mas vários, o que demanda muita atenção. De qualquer forma, creio que o espectador que não é afeito à obra conseguirá discernir que se trata de um retrato das relações crudelíssimas de poder num México semifeudal, no qual os pouquíssimos senhores de terras têm poder de matar e violar, principalmente sexualmente, os corpos que bem entendem, quando quiserem, sempre impunemente. A revolução, então em curso, só aumenta a violência e nada traz de alento às vítimas. Bem, quem leu, sabe. Da minha parte, um defeito quase imperdoável do filme é não dar a dimensão da imensidão da Media Luna, que é mencionada repentinamente, ou do acidentado caminho para alcançá-la, retratado como uma planície. Faltam certas introduções, que poderiam estar presentes, e o detalhismo das descrições de Rulfo, algo que o cinema fatalmente não consegue captar. Eu consigo até sentir o cheiro das flores do sabão-de-macaco descritas na início do livro e não faço ideia de como é tal aroma. No entanto, a mítica cidade de Comala, trazida à vida pela imaginação de Rulfo, e especialmente as cenas no interior do estabelecimento de Eduviges são quase exatamente como as visualizei na leitura. As frases mais marcantes do livro estão presentes nos diálogos, mas senti falta de algumas, especialmente no começo. De qualquer forma, isso são preciosismos de um admirador de Rulfo. Esta adaptação, mais do que digna e fiel, é ótima. 



Imagem de divulgação da Netflix.

Wednesday, June 26, 2024

CRIANÇA ASSASSINA À SOLTA EM RUÍNAS FUTURISTAS

Já um assassino profissional aos 12 anos, Ecsel é o herói do conto EU SOU AMANHÃ, de Daniel Souza Luz, escritor poços-caldense que vem lançando seus contos distópicos em Poços de Caldas em pequenas edições com caras artesanais, feitas entre amigos, por uma editora que se intitula "Enigma Anônimo". 

Ecsel vive num mundo futuro onde tudo é possível, até a gravidez de transgêneros, mas onde reina - como no mundo atual - hostilidade entre tribos futuristas com seus gadgets violentos, espelho de um presente em que gangs bastante bélicas estão soltas pelo país. Ele é uma estranha criança, que nos dá uma impressão de velhice precoce com todo o seu cinismo pragmático. O gosto de Souza Luz por distopias vem de sua admiração pelo gênero FC e aqui e ali pode-se perceber no que escreve influências de Ray Bradbury, Anthony Burgess (com seus neologismos tecnológicos, artificialismos verbais que ficam grudados em nossas lembranças) e outros autores.

Acho particularmente interessante que um escritor poços-caldense siga essa trilha e pise na realidade presente, porque a distopia trai constantemente problemas do hoje projetados no Amanhã, e porque Souza Luz vem popularizando a boa literatura através dessas edições ao alcance de qualquer bolso. 

EU SOU AMANHÃ foi lançado na Vila Literária do último Flipoços com bastante gente interessada. Adquiri, dos 100 exemplares, o de número 43. Mas não pude ir lá buscar: foi minha mulher que o trouxe para mim. 

Fico só esperando o que o Daniel aprontará na sua próxima edição distópica. Imaginação fértil não lhe falta.

Resenha escrita pelo escritor Chico Lopes em seu perfil no Facebook em 15/05/2024. 




Tuesday, June 25, 2024

Entropia (nova versão)

Entropia

Bilhões de mortes depois de você

Todo o Mistério d’antanho

Mergulhou no olvido

O pranto ignora o vácuo

Podia ser ouvido a 10 parsecs

Afastei-me ainda mais

Orbito o buraco negro massivo de Andrômeda

No horizonte de eventos encaro

O último titã no firmamento

Horrorizado por ter uma testemunha

Do sofrimento indizível

Pelo qual se penitenciava

Sem a almejada paz

Do instante final

Antes de ser despedaçado

O nirvana é ilusório


Esta é versão do poema Entropia, originalmente de 2020, publicada no e-book Mapeamento dos Escritores e Escritoras de Poços de Caldas, lançado em 22 de junho de 2024. A única diferença em relação ao original é a última frase, que é menos explicativa. 

Imagem em infravermelho da galáxia de Andrômeda. Foto de domínio público tirada pela NASA/JPL-Caltech/UCLA.