Sunday, April 26, 2015

Os verdadeiros guerreiros da verdade do verdadeiro metal

Jairo e Juliano chegam juntos à casa de shows, a mais conhecida a abrigar shows do forró na cidade interiorana, cujo calor derrete quem está à beira da piscina e ainda mais os dois e todos os que estão na porta do lugar, um deserto de asfalto e concreto. Ambos vestem preto e logo identificam seus pares.
- Aqui que é o Tijuana Bar? Não tem placa...
- Opa! Vamô quebra tudo com uns déti metal com nóis.
Apresentações feitas, simpatia imediata.
- Então, nós somos da banda de fora.
- Qual banda? Eu sou um dos organizadores. Não lembro de banda de fora...
- Do Virgin's Immolation.
- Ah é! Mal aí, já virei um tubão. Cadê os equipos d’ôces?
- Vamô lá pegar.
Tucano não perde as piadas no caminho. Sugere que Jairo e Juliano seria um bom nome para uma boa dupla caipira e que não era para eles tocar viola no show não. Os dois riem, mas ficam putos por dentro.
- Ô Ricardo, abre o portão aí pros meninos do Virge Immolation montar o palco, brinca Tucano. É o jeito dele, pensam.
A cena parece um hospital de campanha. Vários desfalecidos deitados no chão, vomitados. E o show nem havia começado.
- Falaí, seus poser!
Era Zé, o único contato de Jairo e Juliano na cidade.
- Cê que é um comedor de sucrilhos!; vociferam de volta, em uníssono.
Sentindo-se mais à vontade, os dois enchem-se de expectativa. A bateria eletrônica é plugada e devidamente programada. Eles não têm mais paciência com baterista; está todo mundo velho, os amigos não dão mais conta de tocarem rápido.
Sobem ao palco. Serão os primeiros a tocar, para poderem pegar estrada e voltar cedo. Todo mundo trabalha na segunda de manhãzinha. Antes do primeiro acorde, chega a polícia.
Tá cheio de “di menor” bêbado e o comissariado não perdoou. Venderam uma demo em fita, como antigamente. Coisa do demo. Voltam felizes apesar de tudo; missão cumprida.

Monday, April 20, 2015

Carta de Despedida

Lillehammer, 1994
Estava ouvindo uma música do Sport, uma banda francesa de emocore. Quando prestei atenção à letra, fiquei arrepiado. Foda-se se você acha clichê por ser o tipo de som que é. Foi por acaso, já gostava da música. Deu vontade de postar a música e a letra, mas quem vai entender que é algo tão especial em meio às montanhas de futilidades alheias? Algo intenso que jamais será sentido por outrem. Fiquei emocionado porque me lembrei de você. Não só de você, pois a letra me trouxe uma lembrança muito terna de uma menina que foi (ainda é) muito bacana; me lembrou mais a minha vida no último ano e de muita gente que passou por ela do que especificamente você; mas fomos namorados, então também me lembrei de você avassaladoramente, porque você irremediavelmente fez parte do tornado contemporâneo.
Não te odeio mais. Te odiava porque te amava, mas o amor é mais forte do que o ódio – e o esquecimento é mais forte do que tudo; não ter nada a ver com perdão, note bem. O ódio foi embora, junto com tudo que não é lembrança. O amor acabou sem aviso, num “puft!”, sem razão; começa irracionalmente e acaba do mesmo jeito. Acabou quando notei que não me importava mais se você estava bem ou não; por mais detestável que você fosse, ainda me preocupava com seu bem-estar. Foi bom dormir com você aqueles dias, eu tinha te matado dentro de mim. Você está viva agora, uma lembrança no meu coração. Espero que não entupa alguma artéria.

Thursday, April 16, 2015

Hakai 6

Politicamente correto
É o meu pau
No seu cu

Sunday, April 12, 2015

108

O seu cachorrinho acompanha-a, quietinho. Empurrando uma bicicleta. Ele nunca ouviu I Wanna Be Your Dog. Podia cantarolar sempre, no entanto.
Vegano, bonzinho. O passado de playba enterrado com visual hippie e muita aula de yoga. Espancava um moleque na escola que gostava de Shelter. Fazia bullying com quem ele teoricamente pensaria de forma semelhante anos depois. O garoto humilhado sequer reconheceu o seu antigo antagonista, que caminhava de cabeça baixa atrás da companheira. Sorte do garoto. O fascista zen, como diria Jello Biafra, sorriu cinicamente, encarando onde pisava com saudades de pisar em alguém.
Chegaram em casa e puseram um vinil da Janis Joplin. Fumaram um banza, brisaram por uma meia hora e treparam. Logo depois ele vestiu uma camisa da seleção e correu para a manifestação com um cartaz, belamente desenhado, pedindo golpe militar. Sua companheira ficou estupefata. Lembrou-se do velho ditado que tanto ouvia do pai, um velho punk – never trust a hippie.

Sunday, April 05, 2015

A tristeza insinua-se no dia ensolarado

Os cabelos bem penteados, os óculos escuros e a camisa social contrastam com as mangas puídas dobradas, a bermuda, as meias esgarçadas e as sandálias com as tiras de trás estouradas. Aquele homem pouco envelhecera na última década – já estava alquebrado e com as linhas de expressão acentuadas há pouco mais de dez anos. À época, concedia entrevistas, um pouco mais bem vestido, à frente de um projeto social, já naufragado. Agora, nitidamente, depende de assistência social.
O repórter aposentado sempre o via caminhando desalentado pela rua. Naquela manhã, o extenuado jornalista acordara desanimado com o tempo chuvoso; a depressão lhe invadia e, por mais esforços que envidasse, era difícil superá-la. O súbito aparecimento do sol e o céu azulando-se incutiram-lhe ânimo e resolveu abordar aquele homem, a quem já entrevistara para uma rádio hoje tão extinta quanto ambos.
- Bom dia!                            
- Bom dia... – respondeu desconfiado o homem que já não parecia ter como envelhecer mais ainda.
- Eu já entrevistei o senhor algumas vezes, lembra-se? Desculpe-me, não lembro seu nome.
Não houve resposta. O homem desgastado permaneceu com o olhar receoso. O velho jornalista, por força do hábito, insistiu:
 - Você tinha um projeto social, como que se chamava mesmo...?
- Ora, vá se meter com a sua vida! – retorquiu aquele sujeito que algum dia foi midiático, mas agora parecia querer evanescer. A frase escapuliu com desespero, mas sem muita agressividade, como que também quisesse pedir desculpas, impressão reforçada pelo olhar implorando piedade.

Seguiram em sentidos opostos, sem olhar para trás, assim como a vida fez com eles.