No fim dos anos oitenta era
difícil demais ter acesso às bandas sobre as quais líamos em revistas
especializadas ou nas de skate. Só mesmo mandando gravar fitas em lojas, no
escuro, sem saber se o som era mesmo bom ou não, economizando dinheiro da
mesada ou não comendo o lanche na cantina da escola. Outras alternativas eram
vídeos de skate ou o Som Pop e o Vitória, ambos programas da TV Cultura. Se não
tivesse disco da banda cujo clipe passou na TV, a única oportunidade de ouvir
era aquela na TV.
Quando passou o clipe de Bela
Lugosi’s Dead pela primeira vez eu fiquei hipnotizado. Já tinha ouvido falar de
Bauhaus, imaginava que era incrível, mas aquilo estava além das minhas
expectativas. Era mesmerizante. Só o Sex Pistols tinha me proporcionado isso
antes: criei expectativas demais sobre a música e quando ouvi, não só não me
decepcionei, como também fiquei fascinado com algo que foi além do que
esperava.
O duro é que o videocassete de
casa estava quebrado. Não havia previsão de conserto, ao menos tão cedo. Não
havia como gravar o vídeo, portanto. E eu queria me lembrar da música. Sabia
que o programa reprisava no domingo seguinte, à meia-noite. Eu e meu irmão
resolvemos ficar acordados até tarde, só para vermos de novo o vídeo. Vimos e
eu decorei mentalmente a batida, os acordes, os trejeitos de Peter Murphy no palco.
Mas não era o suficiente. Descobri que o programa ainda reprisava na quinta de madrugada,
lá pela uma da manhã. Nesse dia fingi que dormi e assisti mais uma vez essa
última reprise do programa, sozinho, com o som bem baixinho. Lembrei-me com
carinho disso em 1996, quando já estudava na Unesp, no campus de Bauru, e
fiquei acordado até às quatro da madrugada para gravar um clipe no Lado B, nos
bons tempos da MTV: Pinch, do Acetone, uma banda também soturna, mas com o som voltado
para o indie rock. Nessa época eu tinha um videocassete que funcionava. É outro
clipe do qual não me esqueço: além de me lembrar até hoje do Fábio Massari,
jornalista e a apresentador do Lado B, brincar com a crítica gringa, que
rotulou a banda de “rock descafeinado”, gravei uma versão do vídeo diferente da
que foi disponibilizada pelo guitarrista da banda na web. Nunca mais vi a
versão que registrei. A fita que gravei, infelizmente, oxidou.
A crônica parava no parágrafo
anterior. No entanto, enquanto a arquitetava, li que Fernando Faro morreu hoje,
aos 88 anos. Coincidentemente, conheci seu trabalho por causa do Bauhaus e
justamente do que mencionei aqui. Enquanto esperava a reprise para rever Bela
Lugosi’s Dead, eu e meu irmão assistimos o Ensaio, programa que Faro criou,
pela primeira vez. Eu achava que tinha conhecido o Bauhaus em 1989, mas então
foi em 1990, quando o Ensaio foi criado, pelo que acabei de ler num obituário
de Faro. O curioso é que estávamos vendo só por ver, porque o convidado do
programa era Caetano Veloso, que nós detestávamos – como os típicos moleques
roqueiros da época e tal. Hoje eu também gosto do trabalho de Caetano, mas não foi
por causa daquele Ensaio que foi ao ar, nós gostamos mesmo é do programa. O
formato de somente o artista ouvir a pergunta, mas o telespectador não, foi o
que nos chamou a atenção. Faro era genial em registrar as impressões do artista
enquanto a pergunta, que só podia ser imaginada por nós, era feita. E verdade
seja dita, o Caetano é ótimo contador de histórias. Nós dois adoramos u, causo
que ele contou do Tom Zé: o colega ficou com medo de voar, arrependeu-se quando
era tarde e pediu para sair do avião, dizendo, segundo Caetano, “para essa
caravela, por favor!”. Rimos à beça disso, nunca esqueci. Continuei detestando
a música do Caetano Veloso e 97,9% da MPB por um bom tempo, mas essa passagem e
a exibição do clipe de Um Oh! e um Ah! no Som Pop, apresentado por Kid Vinil,
me fizeram ver o Ensaio com o Tom Zé (naquele mesmo ano, pelo o que descobri
recentemente num DVD da Trama).
Naquela época também, creio que
em 1991, li uma entrevista de Daniel Ash, guitarrista do Bauhaus, na Bizz. Ele
declarou que estranhou num primeiro momento que gostassem tanto da banda em um
país tão ensolarado como o Brasil, mas que pensou bem e entendeu que as pessoas
se deliciam com o que os transporta para outros lugares e culturas; sendo o
Bauhaus tão inglês, rescendendo a chuva e frio, nada mais natural. Também acho.
Agora também percebo que, ao começar um texto falando de Bauhaus e terminar
celebrando o talento de Fernando Faro, acabo remetendo a uma das melhores
características do Brasil, sem nenhuma novidade aí: esse caos que liga culturas
díspares.
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