Estávamos num restaurante na rua
Paraíba. Conversava com meu amigo João Vinicius, mas não me lembro mais o que conversávamos
e se já havíamos almoçado ou não. Do terraço vejo um disco voador pousar no
centro da cidade. Disco por assim dizer, era um objeto afunilado e cinza, como
um míssil; no entanto, pousou sem causar estragos aparentes. O céu estava muito
azul e a cidade bem iluminada, o cenário devia refletir o meio-dia.
Levanto-me para ver se havia mais algo de
diferente. No local onde o OVNI pousou levanta-se outro objeto. Ele voa na
nossa direção. Sobe para bem próximo de nós. É um caminhão verde. Vejo-o
passar, como se estivesse transitando numa rua que sobe o morro à nossa
direita, a rua Goiás, fazendo barulho de trocar marcha e com os pneus rodando.
Penso num instante na falta de lógica daquilo e chego a uma conclusão: é um
sonho. Estou sonhando. Como é bom ter sonhos lúcidos.
O restaurante não existe no mundo
real. No lugar dele há um consultório médico. Volto para a mesa e digo para o
João que ele não é de verdade. Ele ri.
- É claro que eu sou de verdade.
- Não é. Você existe, mas não é
aqui, isso é só um sonho.
- Claro que não.
Diante da incredulidade dele,
dirijo-me à mesa ao lado. Havia um sujeito moreno sentado nela, almoçando
sozinho. Nunca havia o visto, mas o reconheceria quando voltasse à realidade,
caso não fosse um construto. Abordo-o. Como estou no controle, quero ver até onde
consigo bagunçar aquele cenário, antes de acordar.
- Cara, desculpe-me dizer, mas
você é apenas projeção do meu ego.
Por que será que disse essa
frase? Agora percebo que isso denota que eu não estava totalmente no controle.
- Como assim?
- Você não existe de verdade.
Isso é um sonho. Você é uma projeção do meu ego.
Essa frase, de novo.
- É claro que eu existo.
Desisto de tentar convencer aqueles
fantasmas que logo eles irão desvanecer. Se alguém dissesse isso para mim no
mundo real, por que eu levaria a sério? Resolvo ir para a rua. Desço e encontro
uma senhora muito simpática, de cabelos grisalhos pendendo mais para o branco.
Lembro-me melhor de suas cãs do que do seu rosto, mas não era vincado, havia
poucas rugas. Ela me cumprimenta e eu retribuo. Ela está decidida a conversar
comigo.
- Sabe a Renata?
- Qual?
- A que fez faculdade aqui.
- Sei sim.
Não sabia. A Renata em quem
pensei fez faculdade fora. Queria encerrar a conversa.
- Ela é reencarnação de uma
oligarca da cidade.
Reparo em como essa senhora está
elegantemente vestida, com um colar dourando e vestido laranja – o que talvez
seja démodé no mundo real, mas sei lá, isso não me interessa.
- É mesmo?
- A família dela é muito boa
gente.
Uma moça de uns quarenta e poucos
anos passa pela rua. Ela tem os cabelos muito negros, mais rugas do que a
senhora que conversava comigo em frente à porta, um belo sorriso. Ela me dá um
tchauzinho com a mão pela porta e aceno de volta.
- A senhora me dá licença –
atalho e saio para a rua. Não vou atrás da moça que acenou para mim e nem
espero pela resposta da senhora que conversava comigo. É o meu sonho, pô! Eu
deveria estar controlando-o, pois estou consciente de que é um sonho! Mas não
me irrito. Estou muito fascinado, assim que saio pela porta deparo-me com uma
locadora de vídeos, onde pegava filmes para assistir no videocassete – uma locadora
dos tempos do VHS. A locadora chamava-se Loc Luc e fechou ainda nos anos
oitenta, no mais tardar nos primórdios dos anos noventa.
Livre de empecilhos, vejo que há
um número razoável de pessoas caminhando pela rua. Grito com vontade:
- Isso é um sonho! Vocês não
existem!
Mal abro o berreiro, aparece uma
viatura da PM na esquina. Ressabiado, nem reparo na reação dos transeuntes. Por
via das dúvidas, acho melhor parar de gritar. Porra, esses caras têm que
reprimir até sonhos lúcidos?
Curioso: em vários sonhos lúcidos,
desde criança, eu controlo tudo, até mesmo a construção da paisagem,
conscientemente. Neste não está rolando. Mas, por outro lado, ele está durando
mais do que os outros. Talvez sejam mesmo projeções do meu ego todos esses
elementos que me impedem de circular livremente e modificar os cenários.
Quietamente, viro a esquina,
pensando no tempo em que já estou acordado dentro do sonho e ainda não
despertei. Uns dois minutos? Talvez três. Acho que nunca durou tanto. Quando
penso em gritar novamente para as pessoas que elas não existem, vejo que a rua
Goiás está vazia. Então ela desvanece. Foi só isso e foi tudo isso.
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