Uma das lembranças mais antigas e
marcantes que tenho é de quando a TV Tupi saiu do ar. Foi tão estranho... Há
pouco tempo me dei conta de que foi a primeira morte que testemunhei. Pesquisando
depois, já adulto, vi que isso foi em meados de 1980. Eu tinha cinco anos. Um
dia liguei a televisão e o canal havia desaparecido – época da ditadura, agora
isso me parece sinistro. Houve um aviso no dia anterior, tenho uma vaga
lembrança; não sei se isso é uma memória falsa que criei. Há outro fato
estranho: li que a Tupi tinha novelas. Não me lembro bem disso. Lembro que a
Globo tinha e que odiei o fato dela ser a única outra estação de televisão que
pegava bem, porque à noite gostava de ver faroestes e desenhos. Parece que me
lembro do Chaparral na Tupi, mas talvez tenha sido apenas na Record, nos anos
oitenta. Lembro de ver Bonanza também. Não me lembro das tramas, mas me recordo
de algo muito melhor.
Há até fotos datadas de 1979. Eu
andava com chapéu de cowboy e armas de brinquedo quando era criancinha. Meu
irmão também. Na verdade tenho lembranças até mais antigas, de quando tinha uns
quatro anos, de gostar de filme e seriados de faroeste. E tinha um hábito mais
solitário, não brincava só com meu irmão de mocinho e bandido. Eu gostava de
participar dos faroestes. Fazia assim: postava-me ao lado da TV. Prestava
atenção ao que os personagens diziam e participava dos diálogos. Como tinha
muito plano americano, agia como se estivessem falando comigo também. Se alguém
dizia “A emboscada será no desfiladeiro” eu tentava responder com algo que
fizesse sentido, como “Isso mesmo amigo, vamos pelo outro caminho!”. Como ficava feliz quando o diálogo calhava com o que eu dizia! Muitas vezes dava
certo. Só havia um senão: geralmente os personagens para os lados dos quais
me bandeava morriam ou se ferravam. Então começava tudo de novo, no meio do
filme ou episódio, como se nada houvesse acontecido. Fazer o quê? Mas eu estava
sempre presente na trama. Acho que fui um pioneiro da realidade virtual, isso
sim foi imersão.