A televisão me deixou muito inteligente,
inteligente demais. Acordava cedinho no sábado só para ver desenho animado. Antes
das oito da manhã ainda dava tempo de assistir Urso do Cabelo Duro e Bionicão.
Tenho vagas recordações, mesmo agora já adulto, pois até isso foi há mais de
vinte anos, mas agora me parece irônico que o primeiro desenho retrate um bando
de hippies safos travestidos de ursos e o segundo um cão policial – acho que
era, já nem lembro tão bem. Como nunca havia pensado nisso? Às vezes rolavam
uns crossovers nos desenhos; poderiam ter posto o Bionicão para reprimir a turma
dos ursos para dar a real para as crianças.
O que era legal demais desses desenhos
é que eles eram psicodélicos. Os Incríveis era infinitamente mais legal do que
a banda de mesmo nome. Banana Split devia ter ácido nos ingredientes. Jackson
Five era tão legal quanto a banda. A Corrida Espacial fazia discotecas
parecerem good trips; apesar de já ser da era disco, o psicodelismo era muito
mais mesmerizante. Dias de aventura. Não
esqueço de jeito nenhum das pouquíssimas vezes em que passou o desenho do
Recruta Zero, que era um dos meus gibis favoritos. E de que tinha que explicar
que Danger Mouse era infinitamente mais legal do que Super Mouse. Aprendi a ler
graças a meu pai, que lia quadrinhos para mim e meu irmão; por isso antes mesmo
de entrar na escola queria saber como terminavam outras histórias que meu pai
não tinha tempo de ler. Saquei os rudimentos sozinho. Quando lia os créditos
nos desenhos animados, mesmo sem saber inglês, notei que havia quem escrevia
aquelas histórias. Como desejar ter um emprego normal então?
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