Tuesday, October 24, 2017

Siouxsie and the Banshees, crônica da descoberta

Sons soturnos para dias alegres. Acho que a primeira vez que ouvi Siouxsie and the Banshees foi quando vi o clipe de Peek-a-Boo no Som Pop, apresentado pelo Kid Vinil na TV Cultura. Não gostei muito, até hoje não sou grande fã da música. Lembro bem da figura marcante da Siouxsie no clipe, mas um dia o som realmente me encantou. No mesmo programa, tempos depois, foi exibido o clipe de Hong Kong Garden, de 1978. Aí sim. A guitarra aguda, com tons orientais, o baixo saliente, a batida final num gongo, o vídeo feito com cores em tons negativos, tudo aspirava a um mistério inalcançável para mim, enquanto a energia era um convite para me perder num abismo etéreo. Não dá para descrever, essa descrição não basta, mas é isto.
Cacei os vinis o máximo que pude. O que pude encontrar, no fim dos anos oitenta, no interior de Minas Gerais, foi nada. Achei uma coletânea chamada New Wave Times em um sebo somente em 1991. É muito bacana, a capa é uma paródia do New York Times e foi feita no Brasil no fim dos anos setenta, entre outras pessoas, pelo... Kid Vinil! O disco tem muitas bandas chatas e outras absurdas de legais, como The Jam, Sham 69, The Chords e a Siouxsie Sioux com seus Banshees fazendo uma versão de Helter Skelter. Li nos créditos que a música era dos Beatles, pois não conhecia, mas até hoje minha versão favorita é a da Siouxsie and the Banshees. Começa devagar, baixo de uma nota só secundado por um guincho de guitarra que vai sendo acelerado pela bateria, soando como um trem ganhando velocidade aos poucos até descarrilar violentamente, no final abrupto.
Apesar de nessa época já ter escutado também Cities in Dust no rádio e ter achado a melodia fascinante, qual não foi a minha decepção ao finalmente achar um álbum da Siouxsie e sua gangue num sebo, já em 1992. Era o Hyaena, de 1984, com uma sonoridade bem mais sutil. Não bastasse isso, tinha um colante da Fluminense FM na capa e uma amiga de infância, a Ana Karla Rodrigues, quando viu, achou curioso (brega mesmo, na verdade) e tirou um sarro, aumentando o meu desgosto. Havia mais um colante, destacando outra cover também dos Beatles, Dear Prudence, da qual não gostei a princípio. Demorou mais de ano para eu realmente apreciar o disco, mas felizmente não desisti dele. Aos poucos as músicas foram ganhando minha afeição e por muito tempo foi o único disco dela a que tive acesso.

Daniel Souza Luz é jornalista e revisor

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 21 de outubro de 2017. É uma versão reescrita e revisada de uma crônica publicada aqui no blog em três de outubro de 2016. Aqui o nome da Siouxsie está correto; na versão para o jornal, tal como a original, faltou um "s"; o editor João Gabriel Pinheiro Chagas gentilmente a revisou novamente, notou o erro e avisou-me, mas ao acrescentar a letra errou também a grafia - é minha culpa não tê-lo informado corretamente, registre-se.
Esta fotografia foi publicada junto à crônica no Jornal da Cidade, com a legenda "Siouxsie and the Banshees, banda de rock britânica formada em 1976". Não sei qual é a fonte da foto e nem quem é o fotógrafo.

Tuesday, October 03, 2017

Fellini (terceira versão)

É curioso quando penso hoje a respeito porque os nomes nem se parecem muito. No fim dos anos oitenta, quando eu tinha entre 13 a 15 anos – ou seja, entre 1988 e 1990 –, comecei a gostar de dois grupos que tocavam muito de vez em quando no rádio: Fellini e Defalla. Como era o auge do chamado BRock, o rock brasileiro que finalmente caiu no gosto popular, até mesmo grupos alternativos tinham certa projeção. Eram tempos de informações escassas e nada sabia sobre as bandas, a não ser que eram brasileiras, porque cantavam em português. Mas confundia uma com a outra e na minha ingenuidade ainda meio infantil achava que quem tinha uma música chamada Teu Inglês era o Defalla.
Desfiz a confusão quando comprei o 3 Lugares Diferentes, vinil do Fellini lançado pelo legendário selo independente Baratos Afins. Só consegui encontrá-lo em 1991, ou mais provavelmente em 1992, quando comprei muitos discos num tradicional sebo de Poços de Caldas, pois muita gente se desfazia de vinis na era do CD, para a minha felicidade. Vinil era algo meio inacessível que se tornara barato... e atualmente deixou novamente de ser acessível.
Mais curioso ainda é quando reflito por que Teu Inglês é uma música que me fascinava tanto. Talvez gostasse do sentimento de saudade que a letra evocava, ainda que fosse novo demais para isto. Mais do que isso, noto que somos, em boa medida, produtos do nosso tempo. Gosto tanto da sonoridade pós punk porque vários discos do fim dos anos setenta e começo dos anos oitenta estavam saindo no Brasil naquela época, com atraso: obras do Joy Division, PIL, The Cure, The Fall, Siouxie and the Banshees, os primeiros do New Order e tantos outros. Não sabia ainda de nada disso, mas escutava no rádio e principalmente em programas de skate na TV; além disso, bandas como Legião Urbana, U2 e o próprio New Order eram muito populares, preparando meus ouvidos para as sonoridades mais experimentais do gênero.
Se não deixo de ser um produto do meu tempo porque o Fellini que mais me importa é a banda, ressaltando que também amo os filmes de Federico Fellini, devido às memórias da adolescência, não deixo de ter alguma satisfação por também não ser exatamente um produto e me encaixar nos padrões de qualquer indústria cultural, mesmo que alternativa: Teu Inglês é única, muito diferente de Rock Europeu, outra música do Fellini que fez pequenino sucesso à época e tinha forte influência pós punk – ainda que em certa medida o ironize –; no entanto, só a conheci décadas depois. Se algo que não se encaixa nem nos padrões tortos que procuravam fugir de padronizações me fascinava quando garoto, é porque estava na senda certa. Minha irmã Fernanda reparou no ano passado, quando eu ouvia o vinil, que Teu Inglês tem até alguma brasilidade escondida no ritmo. Alquimia que só me interessaria de verdade muitos e muitos anos depois. Ou seja, a música também instruiu meus ouvidos, mas para outros experimentos.
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 30 de setembro de 2017. É uma versão corrigida de uma crônica de mesmo nome que havia publicado aqui no blog em 11 de julho de 2016. No entanto, esta versão difere da do jornal em algum detalhes, portanto aquela fica exclusiva para o papel. Nesta fiz ainda mais correções de português e ampliei ainda um pouco mais, incluindo o nome da minha irmã e algumas frases. Mais importante para mim, a frase que abre o último parágrafo era acidentalmente longa e a tornei propositalmente extensa, adicionando mais uma oração - já era tortuosa e queria torná-la mais torta ainda, pois falo justamente de caminhos tortuosos. No entanto, creio ter alcançado meu intento de ainda assim ser compreensível e principalmente fixar-me menos no estilo de frases muito curtas que adotava antigamente. Cansei-me disso, passei a prezar um pouco mais de complexidade, meio como um punk que passa a gostar de rock progressivo.

Capa de 3 Lugares Diferentes, álbum do Fellini lançado em 1987.