É curioso quando penso hoje a
respeito porque os nomes nem se parecem muito. No fim dos anos oitenta, quando
eu tinha entre 13 a 15 anos – ou seja, entre 1988 e 1990 –, comecei a gostar de
dois grupos que tocavam muito de vez em quando no rádio: Fellini e Defalla.
Como era o auge do chamado BRock, o rock brasileiro que finalmente caiu no
gosto popular, até mesmo grupos alternativos tinham certa projeção. Eram tempos
de informações escassas e nada sabia sobre as bandas, a não ser que eram
brasileiras, porque cantavam em português. Mas confundia uma com a outra e na
minha ingenuidade ainda meio infantil achava que quem tinha uma música chamada
Teu Inglês era o Defalla.
Desfiz a confusão quando comprei
o 3 Lugares Diferentes, vinil do Fellini lançado pelo legendário selo
independente Baratos Afins. Só consegui encontrá-lo em 1991, ou mais
provavelmente em 1992, quando comprei muitos discos num tradicional sebo de
Poços de Caldas, pois muita gente se desfazia de vinis na era do CD, para a
minha felicidade. Vinil era algo meio inacessível que se tornara barato... e atualmente
deixou novamente de ser acessível.
Mais curioso ainda é quando
reflito por que Teu Inglês é uma música que me fascinava tanto. Talvez gostasse
do sentimento de saudade que a letra evocava, ainda que fosse novo demais para
isto. Mais do que isso, noto que somos, em boa medida, produtos do nosso tempo.
Gosto tanto da sonoridade pós punk porque vários discos do fim dos anos setenta
e começo dos anos oitenta estavam saindo no Brasil naquela época, com atraso: obras
do Joy Division, PIL, The Cure, The Fall, Siouxie and the Banshees, os
primeiros do New Order e tantos outros. Não sabia ainda de nada disso, mas
escutava no rádio e principalmente em programas de skate na TV; além disso,
bandas como Legião Urbana, U2 e o próprio New Order eram muito populares,
preparando meus ouvidos para as sonoridades mais experimentais do gênero.
Se não deixo de ser um produto do
meu tempo porque o Fellini que mais me importa é a banda, ressaltando que
também amo os filmes de Federico Fellini, devido às memórias da adolescência,
não deixo de ter alguma satisfação por também não ser exatamente um produto e
me encaixar nos padrões de qualquer indústria cultural, mesmo que alternativa:
Teu Inglês é única, muito diferente de Rock Europeu, outra música do Fellini
que fez pequenino sucesso à época e tinha forte influência pós punk – ainda que
em certa medida o ironize –; no entanto, só a conheci décadas depois. Se algo
que não se encaixa nem nos padrões tortos que procuravam fugir de padronizações
me fascinava quando garoto, é porque estava na senda certa. Minha irmã Fernanda
reparou no ano passado, quando eu ouvia o vinil, que Teu Inglês tem até alguma
brasilidade escondida no ritmo. Alquimia que só me interessaria de verdade
muitos e muitos anos depois. Ou seja, a música também instruiu meus ouvidos,
mas para outros experimentos.
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 30 de setembro de 2017. É uma versão corrigida de uma crônica de mesmo nome que havia publicado aqui no blog em 11 de julho de 2016. No entanto, esta versão difere da do jornal em algum detalhes, portanto aquela fica exclusiva para o papel. Nesta fiz ainda mais correções de português e ampliei ainda um pouco mais, incluindo o nome da minha irmã e algumas frases. Mais importante para mim, a frase que abre o último parágrafo era acidentalmente longa e a tornei propositalmente extensa, adicionando mais uma oração - já era tortuosa e queria torná-la mais torta ainda, pois falo justamente de caminhos tortuosos. No entanto, creio ter alcançado meu intento de ainda assim ser compreensível e principalmente fixar-me menos no estilo de frases muito curtas que adotava antigamente. Cansei-me disso, passei a prezar um pouco mais de complexidade, meio como um punk que passa a gostar de rock progressivo.
Capa de 3 Lugares Diferentes, álbum do Fellini lançado em 1987. |
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