Vários
dos meus melhores amigos, quando eu era criancinha, eram de desenhos animados e
de gibis. Eles eram tão legais quanto os melhores amigos da vida. Ninguém
brigava comigo, nem os amigos de verdade e nem os dos desenhos e das histórias
em quadrinhos, que também eram “de verdade” para minha imaginação infantil; os
amigos dos desenhos só brigavam entre si na TV e nas revistas, mas ninguém
nunca se machucava – ou não se machucava muito – ou morria. Nos gibis do
Gasparzinho, os fantasmas e os diabinhos também não morriam. Ninguém morria,
nem os mortos.
Lembro de
uma visita à tarde de uma tia lá no apê da minha infância. Ela ficava abismada
toda vez que via um amigo meu atirando no outro na TV. Achava os desenhos muito
violentos.
- É
normal tia, ninguém morre de verdade.
Bem nesta
hora em que esta minha tia apareceu em casa sem eu saber, o Jerry matou o Tom
com um tiro. Ele não foi pro céu e voltou. Ele morreu mesmo, da famosa morte
matada.
- Viu, te
falei! As pessoas morrem sim – ela implicou.
Lá se foi uma inocência.
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 23 de setembro de 2017. É uma versão levemente reescrita, com um final que julgo muito melhor, do meu miniconto autobiográfico Comsat Angels, publicado aqui no blog em 23 de novembro de 2015 e agora despojado de seus poucos elementos ficcionais. O estilo, imitando a escrita infantil, foi fortemente influenciado pela leitura do livro Brinquedo, de Aran Carriel. O título é justamente uma tradução aproximada de Comsat Angels e homenageia a banda inglesa pós punk de mesmo nome. A capa escaneada do gibi do Brasinha foi tirada de um site de HQ e creio que não infringe - ao menos espero que não infrinja - nenhum direito autoral, por ser um registro histórico de uma revista já extinta. Já a havia usado de ilustração na postagem do texto original.
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