Monday, November 27, 2017
Tuesday, November 21, 2017
Jesus and Mary Chain
Muitas bandas, mas muitas mesmo,
passei a gostar ao ler sobre elas, muito antes de ouvi-las. Anos antes. Isso
aconteceu comigo e vários amigos meus. Anos oitenta, baby.
Não me esqueço da primeira vez em
que li sobre o Jesus. Estava esperando meu pai no antigo escritório dele, na
Rua Assis Figueiredo, no segundo andar de uma construção onde hoje há uma
igreja evangélica; eu era criança ou adolescente. O problema é que agora a
lembrança não é tão exata. Mas do texto me lembro bem da frase que marcou. Não
é a citação literal, mas o crítico musical escreveu algo muito parecido com
isto: “Este disco do Jesus and Mary Chain é um tiro do Magnum 45 na cabeça de
quem diz que o rock inglês está morto”. Estava em uma Folha de S. Paulo, salvo
engano, que estava dando bobeira ali na sala de espera. Será que foi na época
do Psychocandy, quando eu tinha 11 anos, ou do Darklands, quando eu já tinha
13? De quem será o texto? Há muito tempo tenho para mim que, pelo estilão, é o
tão amado e odiado jornalista Pepe Escobar.
Guardei bem o nome da banda.
Depois disso, uma amiga de infância, a Cláudia Cândida, levou uma Bizz Letras
Traduzidas para casa. Ela a esqueceu lá e fiquei fascinado. Pedi para que ela
deixasse comigo mais um tempo para eu ler todas as letras; ela me deu a
revista, o que foi muito bacana da parte dela. E lá estava uma letra do Jesus
and Mary Chain, Darklands, faixa-título do disco de 1988.
Nunca tinha visto tanto niilismo
e desesperança. Ainda não conhecia as letras do Ian Curtis, do Joy Division,
incomparavelmente mais sombrias. Fiquei boquiaberto, em especial com o final de
Darklands, que me pareceu mais irônico do que amargo. Foi paixão à primeira
leitura. Decorei a letra muito antes de realmente ouvir a música; na verdade,
antes mesmo de ouvir o que quer que fosse da banda.
Fiquei um tiquinho decepcionado a
primeira vez que consegui escutar. Amo Just Like Honey, mas, pelo o que lia,
pensava que fosse mais barulhento, e foi justo a primeira música deles que ouvi/vi
o clipe. Perto do Bauhaus, banda gótica que escutava bastante à época, achei
muito contido. Só tinha acesso via vídeos que passavam no Som Pop na TV
Cultura. Mas meu irmão ganhou de uma menina que era apaixonada por ele, em
1990, uma coletânea em vinil chamada Skate Surf Music; tinha uma música deles,
Surfin’ USA, versão esporrenta de um som do Beach Boys que eu já conhecia, aí
sim gostei. Nem lembro mais onde e quando que finalmente ouvi Darklands pela
primeira vez. Mas a música fazia jus à letra, felizmente.
O Jesus and Mary Chain veio ao
Brasil pela primeira vez em 1990; eu era muito adolescente ainda e fiquei
sabendo dessa vinda depois. Quando voltaram, já no século vinte e um, não me
animei, mas em 2014 resolvi assistir ao show deles no Memorial da América
Latina, no encerramento do Festival Cultura Inglesa. Estava tão perfeito que
começou a ficar robótico justamente em Blues From a Gun, som que flerta com a
eletrônica; então felizmente eles erraram feio uma música e tiveram que parar
na metade para reiniciá-la. Ao humanizarem o show, veio um momento mágico,
inesquecível para os presentes: justo quando começaram a tocar Happy When It
Rains caíram momentaneamente pingos de chuva que abrilhantaram o momento e não
estragaram o resto da apresentação.
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 18 de novembro de 2017. É uma versão ampliada de "Jesus and Mary Chain, uma crônica sobre como foi se apaixonar pela banda nos anos oitenta", publicada aqui no blog em 13 de março de 2017.
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 18 de novembro de 2017. É uma versão ampliada de "Jesus and Mary Chain, uma crônica sobre como foi se apaixonar pela banda nos anos oitenta", publicada aqui no blog em 13 de março de 2017.
The Jesus and Mary ao vivo com a Scarlet Johansson. Foto de Juan Bendana/Creative Commons. A original pode ser encontrada aqui. |
Friday, November 17, 2017
Dead Kennedy
O vinil
branco. O famoso vinil branco do Fresh Fruit for Rotting Vegetables, que lembra
meus primeiros discos de infância; embora meus primeiros compactos com
histórias infantis fossem vermelhos e verdes, o encantador disco com as
histórias d’O Leão Cantor, o Rouxinol do Imperador e Chapéuzinho Vermelho
também é branco – ainda o tenho. Demorou um tanto bom para consegui-lo. Usado e
sem o famoso encarte enorme, que nunca vi pessoalmente.
A primeira vez que li sobre o Dead
Kennedys foi, obviamente, em revistas de skate, no fim dos anos oitenta. Claro
que gostei do nome. É uma clássica banda da Califórnia, uma das poucas das que
fez a transição do punk rock para o hardcore mais veloz, mas mantendo
características distintas, com influências de surf music, rockabilly e
psicodelismo. Faziam até versão dos Beatles e Elvis, uma anátema para época.
Fui ouvir só em 1989 ou 1990, quando o Kid Vinil passou um trecho de um show
deles na TV Cultura. Foi mesmerizante, pela primeira vez estava vendo como era
um show de hardcore, sem separação entre banda e público; parecia – e é – algo
mágico, um estado de graça, de congraçamento, ainda que sem conteúdo religioso.
Eu me lembro até dos gestos teatrais do vocalista Jello Biafra no vídeo deste
show – revendo-o, já em meados dos anos noventa, notei que a música que havia
sido exibida era Bleed for Me, denunciando os casos de tortura das ditaduras
militares no Brasil, Paraguai e Argentina.
Salvo engano, neste mesmo dia o Kid
Vinil passou Holiday in Cambodia, que depois foi exibida novamente, sozinha. Aí
queria porque queria o primeiro disco, o já mencionando Fresh Fruit... Só fui
conseguir em 1991, usado. Comprei de um amigo, o Leandro Tramonte, hoje um
engenheiro bastante conhecido em Poços de Caldas, que na verdade o vendeu para
ajudar um primo, o dono original, que meteu a faca no preço. O álbum era de uma
galera em São Paulo, tinha o nome de todos os que fizeram a vaquinha para ter o
vinil e mais um monte de inscrições a canetinha na capa e verso, como “Piração
Total” e “Punk’s not Dead”. Tudo bem, o importante é que o vinil não tinha
risco e provavelmente os donos originais jamais recuperariam o disco, pois o
primo do Leandro, cujo nome nunca me preocupei em saber, havia se mudado para
uma cidadezinha do daqui do interior de Minas Gerais, a vizinha Campestre.
Detalhe: na contracapa havia também a inscrição “Carecas do Subúrbio”. Eu a
risquei e escrevi embaixo “Nazi Punks Fuck Off!”, mesmo que ainda não tendo
ouvido a música à época. Mas sabia do título e já havia pegado o espírito da
banda.
O Dead Kennedys acabou em 1986,
poucos antes do lançamento tardio do disco no Brasil e da vinda deles para o
país. Estavam lutando contra Tipper Gore, esposa de Al Gore, e um bando de
políticos que queriam censurar discos, devido ao encarte do álbum
Frankenchrist, que tinha um pôster com um quadro do artista suíço H.R. Giger,
cujo título era Penis Landscape. Foram acusados de distribuir material
pornográfico para menores, num esquema agora repetido pelo nada criativo MBL no
Brasil. Especialistas em artes testemunharam em favor da banda e o promotor do
caso em Los Angeles, Michael Guarino, posteriormente pediu desculpas pela
tentativa de censura. A ver se no Brasil o Ministério Público e o poder
judiciário terão o mesmo bom senso em casos análogos.
Os integrantes acabaram brigando
depois e a banda voltou no começo do século. Acusavam o vocalista, Jello
Biafra, de não ter composto as músicas, como ele alegava, apenas as letras. Por
mais que sejam grandes músicos, habilidosos, e mereçam mais créditos, para mim
hoje está claro que Jello era o principal compositor mesmo. Os Kennedys
remanescentes nunca mais fizeram uma música, Jello faz uma banda atrás da outra
e compõe para todas.
Meu velho álbum do DKs. Tirei a foto com celular em 17 de novembro de 2017. |
Em 2009 ele lançou um disco com um
novo grupo que fazia excursões, o Guantánamo School of Medicine, e finalmente
veio para uma tour ao Brasil no ano seguinte, embora já tivesse feito
participação especial em shows com Sepultura, Mano Negra e Ratos de Porão aqui, em 1992, no
lançamento do livro Barulho, de André Barcinski. Não bastasse este show de 2010,
o Jello Biafra and Guantanamo School of Medicine ainda veio de novo pra cá em
2012 e fui ao show novamente. Este me surpreendeu mais ainda. Já velhinho, não
esperava que ele tocasse Nazi Punks Fuck Off, uma música muito veloz, a mais
rápida do Dead Kennedys, mas fui atropelado por ela em meio a apresentação. Não
bastasse isto, parece mentira, mas ainda fiz um stage dive (pulei do palco),
fui levado nos braços do público para trás e trago de volta para frente do
palco. Meus amigos estavam no bar, não conhecia ninguém que me carregou. Foi
lindo.
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 11 de novembro de 2017. Era para ter saído uma semana antes, mas esqueci de salvar o arquivo e o enviei vazio ao editor, João Gabriel Pinheiro Chagas. É uma versão ampliada de "Dead Kennedys, uma crônica", publicada aqui no blog em 26 de setembro de 2016. O título foi alterado para Dead Kennedy pelo João Gabriel e gostei, esta tem um tom (ainda) mais pessoal. Esta versão difere da publicada no jornal por duas correções no último parágrafo: acrescentei que o Jello Biafra havia tocado também com o Mano Negra (antiga banda de Manu Chao) no Brasil em 1992 e alterei o trecho "não conhecia ninguém que fez isso" para "não conhecia ninguém que me carregou", para fins de mais clareza.
Thursday, November 02, 2017
Morte por Napalm
Tem duas bandas sobre as quais li nos
anos oitenta, em revistas de skate como a Yeah! e a Overall, e virei fã antes
mesmo de ouvir, só por causa dos nomes: Sex Pistols e Napalm Death. Eu era
garoto, estava começando a aprender inglês e ficava embasbacado. Como alguém
tinha coragem de batizar grupos com nomes tão fortes? A primeira vez que
ouvi o Never Mind the Bollocks foi inesquecível, porque cultivava expectativas
enormes, e sempre me decepcionei ao ter grandes expectativas com algo, menos
com o Sex Pistols.
Já o Napalm Death atendeu
perfeitamente ao que esperava, até porque já tinha uma ideia melhor de como era
a música, pois posteriormente li mais um artigo sobre eles, na minha revista de
HQ favorita, a Animal, escrito pelo João Gordo, do Ratos de Porão. Ele
descrevia o som deles e de outras bandas da Earache (Dor de Ouvido, em
português), a gravadora independente que lançou o Napalm, como algo muito mais
barulhento do que já era conhecido à época, o hoje bem estabelecido gênero
musical grindcore, e ao final do texto, nunca me esqueci da frase, ele
afirmava “só sei que liquidificador com gelo também é música”. Quando
finalmente consegui ouvir o From Enslavement to Obliteration, segundo disco
deles, já no começo dos anos noventa, o som era exatamente isso.
Consegui ter acesso porque gravei uma
fitinha do disco de um amigo de um amigo de Poços de Caldas, cujo nome sequer
me lembro. Nos antigamente era assim, esta troca de vinis e fitas na virada
daquelas décadas era muito intensa. Além disso, achei outros álbuns deles em
locadoras de CDs. Este deve ser um conceito muito estranho para quem é mais
novo, imaginar alguém alugar um CD para escutar e gravar um disco numa fita
cassete. É incrível que a cidade ainda tenha algumas locadoras de DVDs e
Blu-Rays.
Por inúmeras razões, ao longo dos
anos e das várias vindas do Napalm ao Brasil, nunca havia visto um show deles. Só
fui assisti-los no ano passado, com mais de quarenta anos; finalmente pude
reencontrar-me com minhas perspectivas de adolescente e as satisfazê-las
completamente. Foi um dos melhores shows que já vi. Saí cedo da casa da garota
com quem estava então namorando e de tardezinha já estava na fila do Clash Club, em São Paulo. Além da abertura com uma banda brasileira famosa no
estilo, o Test, pude apreciar a companhia dos meus velhos amigos dos tempos da
Unesp, Tatá Mazza e Fernando Ovelha, e fazer amizade com um chegado deste
último, o Celinho. Um amigo de Poços, Alex Aguiar, também estava lá, mas
não o encontrei.
Um aspecto muito legal da
apresentação é que, como é uma banda de grindcore, mas com um grande público
ligado ao heavy metal – inclusive porque a banda com o passar dos anos adotou
muitas influências do death metal –, o público era muito heterogêneo, o que é muito
mais saudável. Ao contrário de outros shows de hardcore e principalmente de
metal, havia mais negros, mulheres e pessoas com camisetas de bandas que não
são ligadas ao metal. Uma moça negra subia no palco e às vezes fazia o famoso
stage diving, que é quando alguém pula no público; depois a ajudavam a voltar,
inclusive também ajudei dando-a a mão. Num show de heavy metal, cujo público
atualmente tornou-se muito conservador e machista, em termos gerais, isto é
quase inimaginável.
Outro detalhe bacana é que apesar do
vocal gutural, o vocalista Barney Greenway, com a fala tranquila e o sotaque
britânico acentuado, parecia que a qualquer momento iria nos convidar para tomar
o chá das cinco. Pude cantar (na verdade, berrar) ao microfone o refrão de uma
das músicas, Greed Killing, de tão perto que estava do palco. Até tive o
privilégio de ver You Suffer, música lendária que entrou para o livro Guinness
de Recordes nos anos oitenta, por ter apenas um segundo. Como o Barney brincou,
quem olhou para trás perdeu. Quando o show acabou, devidamente curto e grosso,
sem bis, eu estava mais disposto do que quando cheguei.
Foto que tirei no final do show do Napalm Death, do Barney conversando com o público no Clash Club, em 26 de junho de 2016, São Paulo/SP |
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 28 de outubro de 2017. É uma versão da minha crônica Napalm Death, publicada aqui em 27 de junho de 2016. Adorei reescrevê-la, uma complementa a outra, pois nesta segunda versão, publicada no jornal e levemente retocada aqui no blog, escrevo tudo o que não cabia na primeira versão, da qual limei detalhes do show que não encontrariam eco, quero crer, nos leitores do jornal.
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