Tem duas bandas sobre as quais li nos
anos oitenta, em revistas de skate como a Yeah! e a Overall, e virei fã antes
mesmo de ouvir, só por causa dos nomes: Sex Pistols e Napalm Death. Eu era
garoto, estava começando a aprender inglês e ficava embasbacado. Como alguém
tinha coragem de batizar grupos com nomes tão fortes? A primeira vez que
ouvi o Never Mind the Bollocks foi inesquecível, porque cultivava expectativas
enormes, e sempre me decepcionei ao ter grandes expectativas com algo, menos
com o Sex Pistols.
Já o Napalm Death atendeu
perfeitamente ao que esperava, até porque já tinha uma ideia melhor de como era
a música, pois posteriormente li mais um artigo sobre eles, na minha revista de
HQ favorita, a Animal, escrito pelo João Gordo, do Ratos de Porão. Ele
descrevia o som deles e de outras bandas da Earache (Dor de Ouvido, em
português), a gravadora independente que lançou o Napalm, como algo muito mais
barulhento do que já era conhecido à época, o hoje bem estabelecido gênero
musical grindcore, e ao final do texto, nunca me esqueci da frase, ele
afirmava “só sei que liquidificador com gelo também é música”. Quando
finalmente consegui ouvir o From Enslavement to Obliteration, segundo disco
deles, já no começo dos anos noventa, o som era exatamente isso.
Consegui ter acesso porque gravei uma
fitinha do disco de um amigo de um amigo de Poços de Caldas, cujo nome sequer
me lembro. Nos antigamente era assim, esta troca de vinis e fitas na virada
daquelas décadas era muito intensa. Além disso, achei outros álbuns deles em
locadoras de CDs. Este deve ser um conceito muito estranho para quem é mais
novo, imaginar alguém alugar um CD para escutar e gravar um disco numa fita
cassete. É incrível que a cidade ainda tenha algumas locadoras de DVDs e
Blu-Rays.
Por inúmeras razões, ao longo dos
anos e das várias vindas do Napalm ao Brasil, nunca havia visto um show deles. Só
fui assisti-los no ano passado, com mais de quarenta anos; finalmente pude
reencontrar-me com minhas perspectivas de adolescente e as satisfazê-las
completamente. Foi um dos melhores shows que já vi. Saí cedo da casa da garota
com quem estava então namorando e de tardezinha já estava na fila do Clash Club, em São Paulo. Além da abertura com uma banda brasileira famosa no
estilo, o Test, pude apreciar a companhia dos meus velhos amigos dos tempos da
Unesp, Tatá Mazza e Fernando Ovelha, e fazer amizade com um chegado deste
último, o Celinho. Um amigo de Poços, Alex Aguiar, também estava lá, mas
não o encontrei.
Um aspecto muito legal da
apresentação é que, como é uma banda de grindcore, mas com um grande público
ligado ao heavy metal – inclusive porque a banda com o passar dos anos adotou
muitas influências do death metal –, o público era muito heterogêneo, o que é muito
mais saudável. Ao contrário de outros shows de hardcore e principalmente de
metal, havia mais negros, mulheres e pessoas com camisetas de bandas que não
são ligadas ao metal. Uma moça negra subia no palco e às vezes fazia o famoso
stage diving, que é quando alguém pula no público; depois a ajudavam a voltar,
inclusive também ajudei dando-a a mão. Num show de heavy metal, cujo público
atualmente tornou-se muito conservador e machista, em termos gerais, isto é
quase inimaginável.
Outro detalhe bacana é que apesar do
vocal gutural, o vocalista Barney Greenway, com a fala tranquila e o sotaque
britânico acentuado, parecia que a qualquer momento iria nos convidar para tomar
o chá das cinco. Pude cantar (na verdade, berrar) ao microfone o refrão de uma
das músicas, Greed Killing, de tão perto que estava do palco. Até tive o
privilégio de ver You Suffer, música lendária que entrou para o livro Guinness
de Recordes nos anos oitenta, por ter apenas um segundo. Como o Barney brincou,
quem olhou para trás perdeu. Quando o show acabou, devidamente curto e grosso,
sem bis, eu estava mais disposto do que quando cheguei.
Foto que tirei no final do show do Napalm Death, do Barney conversando com o público no Clash Club, em 26 de junho de 2016, São Paulo/SP |
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 28 de outubro de 2017. É uma versão da minha crônica Napalm Death, publicada aqui em 27 de junho de 2016. Adorei reescrevê-la, uma complementa a outra, pois nesta segunda versão, publicada no jornal e levemente retocada aqui no blog, escrevo tudo o que não cabia na primeira versão, da qual limei detalhes do show que não encontrariam eco, quero crer, nos leitores do jornal.
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