Quando criança, acreditava em
Papai Noel mesmo e continuei acreditando por muito tempo, até os onze anos. Isto
é uma hora extra da ingenuidade, duvido que outras crianças dos anos oitenta
continuassem acreditando até uma idade tão avançada para a puerilidade, quanto
mais as de agora, com mais acesso ainda à informação. Foi quando ganhamos
bicicletas. Eu, meu irmão Eurico e minha irmã Fernanda não conseguíamos dormir
cedo, ansiosos para ganharmos nossas magrelas. Minha mãe até que tentou nos
distrair, mas não teve jeito, meu pai vacilou na hora de sair e sacamos que foi
ele quem trouxe as bikes. A Nanda não sei, mas eu e o Eurico percebemos na
hora. Papai Noel morto à parte, o importante é que papai é quem estava vivo e
no dia seguinte já estávamos de rolê sobre duas rodas.
Aquele ano de 1985,
coincidentemente, foi o ano de lançamento de Mais Podres Do Que Nunca, o
primeiro disco do Garotos Podres, punks do ABC paulista. O vinil tem o clássico
Papai Noel Velho Batuta, cuja letra logo me chamou a atenção, dois anos depois,
ao, milagrosamente, ouvi-la no rádio: “Papai Noel/O velho batuta/Rejeita os
miseráveis/Eu quero matá-lo/Aquele porco capitalista/Presenteia os ricos/Cospe
nos pobres!”. Se Papai Noel não existe, então tudo é permitido. Na verdade, a
original tinha um palavrão no título, mas a censura, na redemocratização ainda
capengando, os obrigou a mudar o título e a letra. A real é que, por mais que
goste de palavrões, prefiro versão com “batuta”, soa muito mais irônico. Virou
um hino natalino, gosto de cantá-la em natais em família e na web é possível
até encontrá-la numa versão com coral, com o devido palavrão no lugar. Toma
essa, censores.
Talvez o melhor natal de todos
tenha sido justo por aí, 1987 ou 1988. Meu pai tinha uma picape, salvo engano
uma Fiorino, e como vivíamos uma era de irresponsabilidades no trânsito, não
só toleradas, como incentivadas, ele levou eu, meus irmãos e nossos amigos para darmos
uma volta na caçamba, no centro da cidade. Uma cena bastante comum, à época.
Mas à noite, nas ruas centrais, foi inédito para nós. O encantamento das luzes
e enfeites vistos com vento na cara é uma sensação de liberdade que permanece
comigo. Melhor presente.
Esta crônica natalina foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 23 de dezembro de 2017. Outro texto inédito, escrito especialmente para o jornal, republico-o aqui levemente revisado - corrigi apenas um erro à luz da nova ortografia e alterei uma frase do último parágrafo apenas para que ficasse mais clara, não mudando em nada o seu sentido.
Capa e contracapa de Mais Podres do Que Nunca (1985), primeiro LP dos Garotos Podres. |
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