Thursday, December 06, 2018

Farsa

O livro repousa na estante.
Na verdade, jaz na estante. Está autografado por Augusto de Campos. Em nome do casal, não apenas dela.
Ele sempre se lembra das acusações de que não lia de fato, de que apenas frequentava redes sociais. Então lhe ocorreu que havia o livro, uma preciosidade, o qual ela jamais mencionava, e que se recusou a devolver.
Encontram-se no bate-papo, pois estavam online. Só assim mesmo.
Ele lembra-a sobre a obra. De fato, ela jamais havia lido-a. Confundiu Haroldo com Augusto - por mais que tivesse veleidades literárias, ela continuava a embaralhar nomes e conceitos, pois havia apenas lia na Wikipédia a respeito da maioria dos autores que citava, mas não havia enfrentado-os de fato. De certa forma, os dois se assemelhavam quanto à parca leitura de livros. Ela sequer se lembrava que o tinha.
O uso dos verbos no passado é correto neste caso.
O livro, novo, nunca lido, está criando poeira em um sebo.


Daniel Souza Luz é jornalista e revisor

Este conto foi publicado no dia primeiro de dezembro de 2018 no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG). Publiquei-o originalmente aqui no blog em 11 de janeiro de 2015. Estava em São Paulo na semana passada, meu pai havia sido internado com uma crise hipertensiva e fiquei sem tempo para escrever um novo texto ou reescrever alguma crônica ou conto antigos. Portanto, saiu no jornal tal qual a publicação original. A versão acima é diferente da original e da que saiu no jornal; a reescrevi, alterando uns poucos detalhes e principalmente deixando o texto menos impreciso.
O pequeno conto no canto esquerdo inferior da página oito da edição 6929 do Jornal da Cidade, numa versão idêntica à de 2015, embora tenha saído na versão impressa do jornal agora em 2018.

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