Autores do livro: Cláudia Tajes, Giovana Madalosso, Antônio Prata, Jarid Arraes, Tati Bernardi, Jessé Andarilho e Mel Duarte.
A TAG é uma editora gaúcha que
tem uma proposta interessante: um clube de livros. O leitor assina e recebe em sua casa uma obra da qual não
tem conhecimento prévio. Não é um expediente inédito e, basicamente, são livros
de outros editoras que recebem um tratamento de luxo, com vários apêndices. Algo
parecido com o extinto Círculo do Livro, que funcionou entre as décadas de 1970
e 1990, mas muito mais caprichado. A boa novidade é que passou a publicar
títulos inéditos e neste mês as duas obras ofertadas estão sendo acompanhados
por obras independentes, ou seja, livros de contos que não são meros apêndices.
Um deles é Partes de um Corpo, que veio junto ao livro Gostaria que Você
Estivesse Aqui, de Fernando Scheller. Enquanto lia-o, repensei um pouco minha
condenação ao uso de redes sociais: por parte delas, descubro e leio vários
bons novos escritores, alguns deles presentes neste volume. De qualquer forma,
uma coletânea dessas é sempre bem-vinda, pois transcende os esquemas de
algoritmos que tentam capt(ur)ar nossos gostos. Aos autores convidados, foi
dado o tema que está exposto explicitamente no título, que ganharia relevância
numa pandemia que extirpou os corpos de mais de 400.000 brasileiros. Alguns
contos, muito alegóricos, acabam por não passar essa urgência da
contemporaneidade proposta, no entanto. Não que isso seja ruim, acaba tornando
este pequeno painel mais diverso. Recomendo deixar a leitura do prefácio, de
Socorro Acioli, por último. Acaba entregando muito dos contos, todos inéditos.
Mesmo assim, ela expõe muito de O Nariz, de Gógol, que não li por pouco há uns
anos, e O Visconde Partido ao Meio, de Ítalo Calvino, que está há meses na
minha pilha de livros a serem lidos. Tendo isso em mente, tentarei dar o menos
de spoilers possíveis. Bile n.º
5, de Claudia Tajes, é o primeiro texto e é o mais distópico de todos – na
verdade, o único, e era de se esperar outros, dado o contexto. Fortíssimo e
surpreendente, contrasta com o conto seguinte, o delicado Melanomas, de Giovana
Madalosso. Entretanto, há muitos pontos de contato, pois ambas as tramas partem
de tratamentos oncológicos e há muitos termos médicos – dá até para supor que
as autoras tiveram que enfrentar a doença nas suas famílias, pois também sou
familiarizado com tais vocábulos. São os melhores. Bourbon, de Antonio Prata, é
hilário e rápido. Neste caso, tenho que entregar uma parte fundamental da
história: é sobre um falo falante. Não é algo de todo original, ao contrário do
que parece; O Tagarela, HQ do italiano Paolo Baciliero, publicada no Brasil no
início dos anos 1990 na icônica Grandes Aventuras Animal, já contava uma
história parecida e até mais engraçada. Antonio, no entanto, insere discussões
deste século na história e demonstra ser até mais hábil para o humor do que seu
pai, Mario. A narrativa seguinte é Engolir o Amor, de Jarid Arraes. Já havia
lido um de seus livros de poesia, Um Buraco com meu Nome, e foi uma grata
surpresa ver que também domina muito bem a prosa ao abordar as crendices do
catolicismo popular e seus efeitos, muito deletérios, nas relações
interpessoais das protagonistas. O conto que se segue, O Dedão de Carolina, é
uma grata surpresa: é de Tati Bernardi, a quem costumava ler na Folha de
S.Paulo, junto com Antonio Prata, e me fartei de seus textos acerbos e
egocêntricos, especialmente os que abordavam maternidade e saíam na Revista da
Folha. Ao contrário do que esperava, não há nenhuma birrinha de gente branca de
classe média alta no texto, mas sim uma história quase tão cômica quanto ao de
seu colega de jornal. Os dois últimos, infelizmente, não são tão bons. Braço
Direito, de Jessé Andarilho, é um texto metafórico, uma brincadeira com
lugares-comuns; é bem urdido, mas não faz rir. O que, talvez, nem seja a
intenção do autor, mas parece-me que sim e que ele não alcançou seu intento. Daquela
que te Alimenta as Memórias, de Mel Duarte, ótima poeta – dessas que conheci e
leio nas redes –, pesa muito na questão autorreferencial e faz pensar como o
incensado modelo de autoficção já está muito desgastado. De qualquer forma,
temos aí autores e autoras de formações e públicos muito diferentes reunidos
num pequeno livro interessante, que pode apresentá-los para leitores de fora de
suas bolhas.
Daniel
Souza Luz é professor, jornalista, escritor e revisor
Esta resenha foi publicada originalmente no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 18 de maio de 2021. O texto foi revisado pela Juliana Gandra.