Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 04/12/2021, depois de ser revisada pela minha noiva, Juliana Gandra. É uma versão reescrita e muito ampliada da minha crônica A Queda, de 2017.
Há algum tempo disse que precisa reescrever minha crônica A Queda. Bem,
chegou a hora, por uma série de fatores que não vêm ao caso agora. A questão é:
talvez eu tenha começado a andar de skate em 1987, mas mais provavelmente
apenas meu irmão começou naquele ano. Eu tinha medo; via uns moleques bem mais
velhos, uns caras que na verdade eram altos que nem prédios e já deviam ter 18
anos, ou quase isso, descendo minha rua muito rápido em pé nos skates; eu
pensava que no máximo desceria sentado. Parecia assustador demais, absolutamente
apavorante, vê-los soltos em cima das pranchinhas com rodas. Bem, um ano depois
lá estava eu descendo a rua de casa em cima de um skate, primeiro com medo, pouco
depois destemidamente. Eu me recordo bem que tinha 13 anos quando comecei, pois
os moleques mais novos diziam que eu era velho demais para começar a andar –
imagina, pura pressão, não tinha o menor sentido. Apesar de ter alcançado esta
idade nos fins de 87, é quase certeza que comecei a andar em 1988.
Tanto eu quanto meu irmão começamos com um péssimo skate, emprestado por
um amigo chamado Ronan, primo de umas vizinhas. Ele sempre aparecia na rua
Platina, onde residíamos, e nos emprestava o skate dele sem problemas. Meu
irmão e eu convencemos meu pai a nos comprar skates bem melhores. Eles nos
proporcionaram algo muito melhor do que descer rápido a rua, afinal isso os
carrinhos de rolimã também proporcionavam. Aprender a dar ollie, o famoso
flatland ollie inventado por Rodney Mullen, foi árduo, mas era isso que nos
fazia voar. Não conheço sensação melhor na adolescência do que sair por aí
superando obstáculos de ollie air.
Mais do que qualquer coisa, acho que foi isso que me deixou safo para a
vida de adolescente e a ter alguma vivência de rua. Até então, eu era meio
cabação das ideias. Era bem impressionável e um exemplo de pensamento mágico,
sem qualquer fundamento na realidade, do qual nunca me esqueço é de quando,
salvo engano, eu ainda não sabia andar de skate.
Meu irmão foi pular uma rampinha improvisada da rua Platina, que é uma
leve ladeira, mas se atrapalhou e bateu a cabeça no chão. Fiquei impressionado
com o baque seco da queda, pois eu estava ouvindo música bem alto no toca-fitas
do carro do meu pai, pois era o único aparelho de som que tínhamos.
Acontece é que justo naquele momento eu estava ouvindo Bark At The Moon,
do Ozzy Osbourne. Como eu não sabia quase nada de inglês e não anotaram o nome
das músicas na fita, eu achava que o Ozzy dizia “Back, Demon!” no refrão – que,
na minha cabeça, era “Volta pra cá, Demônio!”. Não fazia ideia que a tradução
do título era Uivando Para a Lua. Pois bem, influenciado por discursos
sensacionalistas da mídia, achei que meu irmão havia caído por minha culpa,
devido à suposta influência malévola da música. Quando entramos em casa e ele
era socorrido, eu me senti extremamente culpado. Mas ele se recuperou e tudo
realmente acabou bem: aprendi inglês e dois anos depois já estávamos ouvindo
Slayer, que é thrash metal e muito mais satânico do que o Ozzy, mas esses
satanismos de araque do metal só impressionam quem é bocó.
Daniel Souza Luz é professor, revisor, escritor e jornalista
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