Será que se chamava aparelho, como no Brasil? O fato é que adentrei no apartamento e fui bem recebido.
Estava brincando no prédio e um amigo me chamou para participar do grupo. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos, dá para depreender pela aparência do meu amigo, um moleque branquelo, de bochechas rosadas. Ele me disse que me viram no edifício e gostaram da minha atitude – seja ela qual for, não faço ideia.
Lá estavam eles: Andreas
Baader e Ulrike Meinhof. Não reconheci Gudrun Ensslin entre os presentes, não
havia nenhuma loira. Devia ter umas sete ou seis pessoas na sala do
apartamento. Quando a porta se abriu, notei que eu estava em nos anos
setenta. Todos os homens usavam golas rolê com pulôveres ou paletós, alguns
tinham costeletas; as mulheres vestidos com muitos botões e botas, além de
óculos escuros e boinas. O apartamento parecia ser todo acarpetado, o estilo
dos móveis era típico dos anos 1970. Eu não sei explicar por que os móveis são
desta época; não sou bom em descrever detalhes de sofás e mesas, mas eu
me lembro desse estilo, seja em filmes, seja porque eu tenho memórias deste
tipo de mobiliário no fim da década de setenta, quando tinha entre quatro e seis
anos.
Havia mais um visitante,
além de meu amigo e eu – um Pantera Negra. Fiquei impressionado. Ninguém disse
que era, mas só podia ser. Negro, com cabelo Black Power, com uma barbicha e
uma postura arrogante. Fiquei surpreso de ver os dois grupos juntos. A cena era
impressionante e ficou mais ainda.
Mal nos cumprimentamos –
ninguém nos deu as mãos, pois estavam vidrados no noticiário policial da TV,
como no filme que fala sobre o Baader-Meinhof. Não daria tempo, pois a polícia
logo irrompeu pela porta. Armas na mão, junto ao corpo, e extremamente ágeis, logo dominaram todos.
Notei que estava escrito Gendarmerie – a polícia francesa – nos uniformes
deles. Eu era francês então.
Apesar disto, no sonho todos
falavam português, lógico. Um policial mascarado agarrou a mim e meu amigo pelos
braços. Ele nos disse para ficarmos tranquilos, pois eles sabiam que estávamos
sendo cooptados. Era só para irmos na delegacia amanhã. Sendo arrastado porta
afora, ainda vi os policiais torturando Baader, enfiando sua cabeça num saco
plástico. Escada abaixo, enquanto o policial insistia para ficarmos tranquilos, ressaltando que era só irmos prestar depoimento na delegacia no dia seguinte e tudo
ficaria bem, senti náuseas, pois não queria ter participado e nem visto nada
daquilo. Era um pesadelo, de verdade – portanto, de mentira. Antes de acordar,
ao lado das viaturas da Gerdarmerie na garagem do prédio, notei que também havia uma escrita
Polizei. Os agentes alemães tinham vindo pegá-los.
A sensação nauseante não
passou quando acordei. Talvez tenha sido o mais assustador dos pesadelos, pois
foi com fantasmas que me foram contemporâneos, embora tenham morrido alhures muitos
anos antes de ouvir falar neles.
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