Invasão de propriedade. Nunca
vimos como maldade ou crime. Criança não conhece essas fronteiras. Sabem que
elas existem, mas se não estragamos nada, qual o problema? Nos anos oitenta,
com o fim da ditadura, tudo tinha cheiro de liberdade.
Uma das melhores lembranças que
tenho da época é pular dentro do pátio de uma loja de pneus e artigos
automotivos que ficava fechada do sábado à tarde em diante e ficarmos andando
de skate no cimento liso daquele lugar tranquilo, que até hoje permanece
exatamente igual, pois, claro, nunca estragamos nada, não queríamos ser
descobertos e repreendidos – ainda tenho vontade de pular lá dentro. No ano passado
cheguei a andar no pátio aberto na frente, que também é grande e propicia bons rolês,
mas não tem tanta graça quanto pular aquele muro.
No mesmo quarteirão dessa loja, o
de baixo da minha casa, tinha uma fábrica de chocolates na qual ia, quando
criança, com a minha mãe; lá, um funcionário sempre me dava bombons! Não
bastasse essa boa memória, há outra. Uns dez anos depois, como ela faliu, eu,
meu irmão e uns amigos resolvemos pular o muro. Que surpresa: tinha uma piscina
vazia lá dentro! Com uma parede curva, que acompanhava a esquina, pois a
piscina ficava num canto da fábrica. Não tinha transição, tínhamos que andar lá
dando wall rides. Era divertido, mas fomos pouco lá, pois não éramos tão bons
nisso. Foi o mais perto que já cheguei de andar de skate em uma piscina como as
da Califórnia – é uma pena mesmo as daqui não ter transições.
Andar de bike e entrar em fazendas
ou áreas de represa ou usinas de força (ou algo assim) era mato – literalmente também.
O problema sempre foram os arames farpados, alguns enferrujados. Um de nós às
vezes se enroscava. Bons tempos – sei que essa expressão é clichê, fazer o quê?
– mas bons tempos mesmo em que as grandes enroscadas eram essas.