Monday, December 14, 2015

Wire


Invasão de propriedade. Nunca vimos como maldade ou crime. Criança não conhece essas fronteiras. Sabem que elas existem, mas se não estragamos nada, qual o problema? Nos anos oitenta, com o fim da ditadura, tudo tinha cheiro de liberdade.
Uma das melhores lembranças que tenho da época é pular dentro do pátio de uma loja de pneus e artigos automotivos que ficava fechada do sábado à tarde em diante e ficarmos andando de skate no cimento liso daquele lugar tranquilo, que até hoje permanece exatamente igual, pois, claro, nunca estragamos nada, não queríamos ser descobertos e repreendidos – ainda tenho vontade de pular lá dentro. No ano passado cheguei a andar no pátio aberto na frente, que também é grande e propicia bons rolês, mas não tem tanta graça quanto pular aquele muro.
No mesmo quarteirão dessa loja, o de baixo da minha casa, tinha uma fábrica de chocolates na qual ia, quando criança, com a minha mãe; lá, um funcionário sempre me dava bombons! Não bastasse essa boa memória, há outra. Uns dez anos depois, como ela faliu, eu, meu irmão e uns amigos resolvemos pular o muro. Que surpresa: tinha uma piscina vazia lá dentro! Com uma parede curva, que acompanhava a esquina, pois a piscina ficava num canto da fábrica. Não tinha transição, tínhamos que andar lá dando wall rides. Era divertido, mas fomos pouco lá, pois não éramos tão bons nisso. Foi o mais perto que já cheguei de andar de skate em uma piscina como as da Califórnia – é uma pena mesmo as daqui não ter transições.
Andar de bike e entrar em fazendas ou áreas de represa ou usinas de força (ou algo assim) era mato – literalmente também. O problema sempre foram os arames farpados, alguns enferrujados. Um de nós às vezes se enroscava. Bons tempos – sei que essa expressão é clichê, fazer o quê? – mas bons tempos mesmo em que as grandes enroscadas eram essas.  

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