Monday, May 30, 2016
Flipper
Eu me lembro do primeiro
fliperama em que fui. Meu pai me levou num que ficava na rua Assis Figueiredo,
a principal rua central da minha cidade natal, no fim dos anos setenta ou no
começo dos anos oitenta. Não me lembro bem das máquinas, a não ser uma, que
tinha uma bazuca. Foi essa que meu pai me ensinou a jogar. Era um jogo de tiro,
obviamente; você apertava o gatilho da bazuca e destruí os inimigos no campo de
batalha. Não me lembro mais bem se eram tanques, jipes, mas acho que era algo
assim. O que me lembro melhor é dos enfermeiros, pois não podia acertá-los,
pois senão perdia pontos ou vidas. Forço a memória e não sei se estou viajando,
mas acho que eram dois enfermeiros carregando um soldado numa padiola. Eram
apenas riscos de luz, acho que verdes, na tela, projetando figuras simples sob
um fundo estático. Fascinantes.
Eu lembro-me de quando vi o
primeiro videogame, aquele do jogo de tênis, na casa de um vizinho (acho que
era do irmão mais velho dele, que jogava na seleção brasileira de basquete; o
Oscar chegou a visitar meu prédio), e de como achei tosco comparado com o Atari
lá de casa. A mesma sensação deve ser experimentada por um garoto acostumado às
caixas xis aí ao se deparar com um Atari ou esse jogo da bazuca que tanto me
fascinava aos sábados de manhã. Pelo o que me lembro meu pai ia cortar o cabelo
aos sábado de manhã e aproveitava para passar rapidinho no fliperama comigo.
Esse lugar depois virou uma banca de revistas, onde comprei vários dos meus
primeiros quadrinhos e hoje é uma loja qualquer, sem alma. Não que esse lugar
tivesse alma antes, mas tinha para um garoto.
Mais velho, meus pais ficavam
cabreiros quando eu e meu irmão fôssemos a fliperamas. Era algo “de marginal”. É
claro que isso tornava ir aos fliperamas uma aventura irresistível. Óbvio,
evidente, elementar, não tem como. Isso já era quando tínhamos uns doze, treze
anos. Havia três fliperamas na cidade, que me lembre. O do Palace Hotel, cheio
de raridades, como jogos dos anos quarenta – o primeiro importador de
fliperamas do Brasil era da cidade, sei disso porque digitei o texto do filho
dele contando essa história, pois ele os manuscrevia e não sabia
datilografar/digitar – e o meu amado jogo de bazuca; o da Rua Rio de Janeiro,
com duas máquinas de jogos de videogame que eram muito melhores nas máquinas
(Ghosts and Goblins e Moon Patrol) e o da praça. Esse achava sinistro. Tinha um
num antigo cinema que era muito, mas muito mais sinistro. Tinha não, ainda tem,
mas acho que abriu depois. Sei lá por que é o único que ainda existe – se é que
existe, eu nem passo muito por lá – e continuo-o achando meio sinistro.
De qualquer forma, duas das
histórias que mais gosto de fliperama aconteceram neste da praça. Tínhamos medo
de ir ao fliper, como dizíamos, por ficarmos encucados com as conversas de
nossos progenitores de que lá só havia marginais e tal. Portanto, ir era
irresistível, como já expliquei. Quando tomamos coragem, nosso amigo Márcio
resolveu apelar numa máquina de pinball. A bola passou e ia inevitavelmente
embora. Ainda batendo debaixo dos pinos, o Márcio levantou a máquina e a pôs de
volta no jogo. Foi curioso, pois ele era magrelo e teve força para levantar
aquilo. Era uma manha que ele tinha aprendido com os freqüentadores. Achou que
ficaria impune. O dono ou empregado de confiança do dono só faltou pular por
cima do balcão como num filme de faroeste. O Márcio levou um esporro que nos
foi hilário e nem se abalou.
Na outra não estava presente, foi
antes e foi hilária para mim ao descobri-la, quase me urinei de rir ao saber. Nosso
amigo Evandro que me contou: o Márcio o chamou e a outro amigo, acho que o
Paulo Augusto, para jogarem lá. Eles foram com os dois cus nas mãos, pois
sabiam que o lugar era mal afamado. O Márcio, safo, já trampava de office boy e
tinha as manhas das ruas. O que não mudava o fato de que ele era engraçadamente
sem noção. Segundo o Evandro, eles entraram no fliperama fazendo de tudo para
ser o mais discretos quanto possível. Eles, no caso, eram o Paulo e o Evandro.
Ao entrar, o Márcio virou-se e falou para eles: “VIU, NÃO FALEI PARA VOCÊS QUE
TODO MUNDO AQUI É GENTE BOA?” num volume de voz de fazer virar todos olhares de
ódio do local para eles. Para mim foi como se ele tivesse cavado um buraco no
chão e vindo direto contar o caso para mim. É claro que nada aconteceu. Eu
nunca vi ou ouvi falar de treta de verdade no fliperama. Flipper para mim foi
tudo isso de bom: seriado de televisão da infância, aventura da
pré-adolescência e banda amada da adolescência em diante.
Monday, May 23, 2016
Young Gods, crônica de um show que perdi
Disse tanto que ia ao show do
Young Gods na Virada Cultura de 2016 e não fui. O show deles seria junto com a
Nação Zumbi. Mistura insólita, uma banda
industrial suíça dos anos oitenta com uma banda mangue beat pernambucana.
Quando mencionava o show para quem conhece ambas as bandas as reações eram de
completa surpresa. Surpreendente é, mas não fiquei atônito. Franz Treichler, do
Young Gods, morava no Brasil no fim dos anos noventa (talvez ainda more, não
sei). Lembro-me bem de uma entrevista dele para o Fábio Massari à época, no
Lado B da MTV, na qual ele falava sobre isso – em bom português. Uma banda
lendária, que queria demais ver.
A Virada Cultural de 2016, para
mim, foi principalmente barulho – mas diferente do dos Young Gods. Começou com
um show de grindcore num evento independente, pago, numa casa de shows
(literalmente, no caso do palco) underground chamada Morfeus. Lá vi bandas com
nomes sugestivos como Xico Picadinho e principalmente o Facada, banda cearense
de grindcore, possivelmente a melhor no estilo no país. Assisti de pertinho e
poguei muito, ou seja, diversão total para mim. Não bastassem as músicas deles,
tocaram uma versão de uma das minhas músicas favoritas do Bad Brains, Sailin’
On. No dia seguinte, devido a isso, fiquei rouco – felizmente rouco.
Eu só havia visto uns poucos
shows no famoso palco Test, em 2013 (quando ele era um evento de rua paralelo à
Virada, totalmente independente) e mais alguns em 2015, quando uma banda de hardcore
de um amigo, o Birão, chamada Sociopata, tocou na hora do almoço. Agora
finalmente pude ver muitas bandas de grind/noise/HC de uma vez só – um segundo
show do Facada na mesma noite, Rakta (já havia visto dois shows delas no
passado, gosto muito; foi sem guitarra e com um cara na bateria), RG Noise
City, Miazzo, uma banda engraçada chamada Os Capial – de Araraquara, vestidos
como caipiras estereotipados, mas deixando claro que não era por desprezo à
cultura caipira – e vários pedaços de shows.
Um dos melhores fatos da noite
foi que o palco Test mudou de lugar e voltou a ser perto do palco Rio Branco.
Não queria andar para longe e correr o risco de ser assaltado. Então finalmente
pude ver um show de uma de minhas bandas brasileiras favoritas, o Violeta de
Outono. É uma clássica banda pós punk dos anos oitenta, única, com influências
de psicodelismo e progressivo – elementos estranhos às bandas do estilo. Não
tocaram músicas da época, só uma de uma fase intermediária. As músicas novas
são muito voltadas ao rock progressivo. Tudo bem, não pararam no tempo. Mas
quase dormi em pé – e isso não é figura de linguagem. O que não deixou de ser
uma experiência interessante, pois comecei a sonhar de pé e vi uma mulher subir
no palco e correr em direção à banda. Não havia mulher alguma, despertei em
segundos, assustado por ter quase dormido, e fiquei olhando extático para o
palco. Só os músicos estavam tocando, óbvio, sem incidentes. Não é todo mundo
que tem direito a ter uma experiência psicodélica sem usar drogas – e eu tive!
Depois de vagar algum tempo vendo
mais bandas de barulho e barulho, já estava quase dormindo de novo. Então, já
de dia, começou o show do D.E.R., uma banda da qual gosto. Como nada estava me
tirando muito do estado meio zumbi, não esperava muita coisa do show deles.
Ledo engano. Foi só o show deles começar que eu despertei. Uma injeção de
adrenalina! Ao vivo, na minha cara. Uma pancadaria impressionante – e se digo
que é impressionante, podem ter certeza que foi, pois tinha visto inúmeras ao
longo da noite e não era para estar impressionado.
Antes do show do D.E.R. terminar
meus amigos que estavam comigo pediram arrego e olha que quem ama mesmo
grindcore são eles – eu só gosto muito e estava empolgadíssimo, apesar de ter
mais do que o dobro da idade deles. Eles são muito jovens, não sabiam andar em
São Paulo, nem andar de metrô. Tive que levá-los à rodoviária. Chegando lá,
achei que resistiria e voltaria para a Virada. Dei uma de ateu e deixei de
acreditar nos Jovens Deuses. Deixei-me vencer pelo cansaço, comprei a passagem
de volta e dormi. Satisfeito.
Monday, May 16, 2016
Titãs, crônica de um show perdido e de dois reencontros
Eu quase vi um show do Titãs,
ainda com todos eles. Foi no fim dos anos oitenta, em 1989 ou 1990.
Deve ter sido em 1990. Eu já
tinha perdido um show do Legião Urbana naquele ano. Precisava de autorização
dos meus pais para entrar, meus eles não havia permitido. Falaram que era coisa
de drogado. E o show deu rolo, o Renato Russo passou mal, correram boatos que
seriam porque ele estava chapado demais – pelo o que me lembro da matéria da
afiliada local da Globo na época, no entanto, foi uma mera intoxicação
alimentar. Ainda havia muito histerismo por parte de professores e pais em
relação ao rock nacional, por mais ridículo que hoje isso pareça. Anos antes,
quando o RPM fez show na minha cidade, a professora de Ciências, de quem eu
gostava, havia falado em sala de aula que não éramos para irmos ao show, porque
Paulo Ricardo e companhia seriam todos uns drogados. Não me lembro com muita
certeza de outro detalhe, mas acho que ela teria passado uma lista sobre isso
para levarmos para nossos pais. A única certeza que tenho é esse discurso dela
para nós, pobres alunos inocentes, que iríamos danar nossas vidas indo ao show
do RPM. Eu meio que queria ir, mas nem fiz muita força, eu era novo demais,
isso aí deve ter sido em 1987 – ainda bem que não fui, imagina que tristeza se
o primeiro show da minha vida fosse do RPM?
O show do Legião Urbana na minha
cidade, Poços de Caldas, foi em 1990, tenho certeza. Mas parece que o do Titãs
foi antes, em 1989... Não lembro bem. O que eu lembro foi de uma ideia que
parecia genial. Nós poderíamos ir ao show, meus pais haviam deixado, íamos
comprar os ingressos na porta do ginásio onde ele ocorreria. Antes, durante a
semana, nosso amigo Evandro, mais conhecido como Bugu, havia dado a ideia de
fazermos as Olímpiadas da rua. Nós compramos medalhinhas numa loja de esportes
e combinamos de fazermos as Olímpiadas no sábado, durante todo o dia.
De manhãzinha, fomos para o
Parque Municipal. Havíamos comprados bastante medalhas. Fizemos todas as
corridas possíveis: cem, duzentos, quatrocentos e oitocentos metros. Na pista
de corrida do parque até hoje tem a marcação da metragem. Lembro que ganhei as
corridas curtas, de cem e duzentos metros, disparado. Nas outras eu já não
tinha fôlego.
Ao longo do dia, fomos “inventando”
as modalidades possíveis. Lançamento de dardos (galhos de árvores), de peso
(pedras), futebol, handebol (com bola de futebol mesmo, ou de meia, não lembro
bem) e outros esportes olímpicos. Não valia skate e bike; natação não tinha
jeito; apesar da piscina do Country Club ao lado, não éramos sócios. Havia
gente suficiente para esportes coletivos, mas não lembro mais toda a galera do
bairro que participou. Lembro dos amigos mais próximos, com quem voltei a pé
para casa: Evandro, Márcio, Paulo Augusto e meu irmão Eurico. Lembro muito bem,
porque foi um evento trágico para mim.
Voltávamos quando já era de
noitinha, de tantas competições que inventamos – tínhamos muitas medalhinhas
para distribuir, como já havia dito. Lembro que no caminho encontramos a irmã
do Paula, a Ana Karla, também uma grande amiga. Ela estava com algumas amigas e
elas nos disseram que estavam indo para o show do Titãs a pé – não era tão
longe assim. Quer dizer, longe era, era um pertinho de mineiro, mas era no fim
da avenida, uns dois quilômetros adiante. Eu achei estranho, era cedo demais
para ir ao show. Chegando em casa, tomei
uma chuveirada. Encostei um pouco na minha cama para ler um Chiclete com Banana
e... dormi. Dormi desmaiado. Exaurido. Acordei no dia seguinte, sem show. Não
éramos os titãs que julgávamos que fôssemos. Fiquei tão puto que joguei todas
as minhas medalhinhas fora. Quando encontrei o Evandro depois o xinguei pra
caramba, coitado.
Eu vi os Titãs em 2015,
finalmente. Desprezei-os completamente ao longo dos anos noventa e na primeira
década dos anos 2000. Mas era ruim mesmo, pseudo-grunge e depois populistas
populares, não era por causa do “trauma” do show perdido. Não me arrependo.
Quando os reencontrei, já pela metade, num show da Virada Cultural no Largo da
Estação em São João da Boa Vista, eu estava inteiro, apesar dos anos. Fui com
minha amiga Danília, gente finíssima, que havia reencontrado depois de quase um
par de anos nos quais ela estava morando na Nova Zelândia e para onde ela
retornou pouco depois. Tanto o show perdido quanto o que vi são memórias boas,
para acalentar. Melhor assim.
Monday, May 09, 2016
Chrome
Hora do recreio tinha uma peleja
clássica. Bater figurinha. Perder uma figurinha difícil, nos anos oitenta, era o equivalente
infantil a perder fortunas no pôquer ou no cassino. Até hoje
deve ser assim.
Colecionei figurinha de álbum de
carros, motos e aviões. Não me ligava nas de jogadores de futebol, populares
até mesmo na Copa de 2014. Tenho vaga lembrança de colecionar da Copa de 1986, mas
deve ser falsa memória. Ou dei o álbum de presente para alguém. Portanto,
memória inventada. Devo mesmo é ter acompanhado as brigas por esse álbum.
Porque figurinhas também já foram questão de sair na porrada para mim, por mais
franzino e suscetível a apanhar que eu fosse.
Toda hora aparecia álbum novo. O
que eu mais admirava era um álbum de “rock”. Não vou lembrar o nome nunca.
Tinha logos de bandas de heavy metal, caveiras e tudo que moleque gosta. Era
obrigatório gostar, assim como também era ler O Escaravelho do Diabo. Quem não
fazia isso era carola mariquinha. Sei que é bobagem, mas quem ia explicar isso
para nós? Ninguém explicou. Ah, também gostava das figurinhas do Guerra nas
Estrelas, mas acho que nunca vi o álbum, só as figurinhas.
Na minha sala na escola tinha um
amigo, o Alexandre, cujo pai era dono de bancas de jornal. Às vezes ele nos
dava pacotinhos promocionais de figurinhas. As que eu mais gostava eram as
cromadas, que tinham nesse álbum de rock/metal. Aquilo era lindo demais pra mim.
Quando vejo livros gringos de ficção científica em sebos, especialmente os mais
próximos do cyberpunk, observo como essa estética era forte à época,
característica demais, e algo que não enferrujou; o que é cromado teoricamente é
resistente à ferrugem mesmo.
Mas falava em sair na porrada por
causa de figurinha. Na verdade, não fiz isso, mas sim uma apelação vergonhosa.
Uma vez perdi uma figurinha da qual gostava, creio que uma de moto, e fiquei bravo com meu amigo que
ganhou de mim na disputa. Ele se chama Emerson, era menor e eu colei chiclete no cabelo
dele na mesma hora. Ele começou a chorar e fui embora. Impressionante como
criança é cruel. De longe, vi um cara mega babaca, maior do que eu, da quarta série
e repetente, que gostava de zoar os moleques menores, ajudando-o e cortando o
cabelo dele com uma tesoura para tirar o chiclete. Naquele dia fui pior do que
ele. Pior ainda: nunca completei nenhum álbum de figurinhas.
P.S. Sempre que vejo o Emerson na
rua, procuro dar carona para ele. É, sinto-me culpado por aquilo.
Monday, May 02, 2016
Swervedriver, uma crônica para ler enquanto se fita os pés
Conheci o Swervedriver em 1991. Aliás, ouvi pela primeira vez em 91; em 1990, acho, já havia lido sobre a banda em alguma revista, suponho que na Bizz. A banda havia começado em 1989 e é conhecida como um dos maiores nomes da geração shoegaze. Mas não os vi sendo associados a isso à época, mas sim ao lurch: a primeira vez em que os ouvi, como estava dizendo, foi numa matéria de TV apresentado por um jornalista da Bizz, o Fernando Naporano, também vocalista do Maria Angélica Não Mora Mais Aqui. Por incrível que pareça, na Globo, e não numa rede de TV que prestava atenção no underground, como a TV Cultura, na qual descobria bandas maravilhosas. À época a Globo havia estreado um programa chamado Dóris para Maiores. Era estrelado pela Dóris Giesse, que havia sido apresentadora do Fantástico. A maior atração era um quadro de humor no qual ela interpretava um andróide, chamado Dorfe, contracenando com o Diogo Vilela. Era uma porcaria. Ela até tinha o physique du rôle para um papel, digamos, “cyberpunk”: loira de cabelo curtinho, andrógina, mas os anos oitenta já haviam passado e a TV Pirata já era. O principal é ela não tinha o zeitgeist e, de qualquer forma, este já estava em transmutação. O programa dela, no entanto, trouxe dois marcos dos anos noventa que estourariam de vez no ano seguinte, justamente os únicos quadros que prestavam: o Casseta e Planeta, no humor, e o quadro do Naporano, na música. Ele falou numa de suas reportagens sobre o lurch, o som barulhento ora em voga na Grã-Bretanha, mencionando bandas como o Silverfish e o Swervedriver, e mostrou a contraparte dos EUA, o então desconhecido Nirvana. Adorei todas as bandas e não imaginava escutar um disco de alguma tão cedo. Outros tempos estavam anunciados e o Nirvana já tava chegando ali na esquina.
Já o Swervedriver só fui ouvir de novo no primeiro jogo de videogame que tinha, com todo o respeito aos compositores de 8-bit, músicas de verdade, acho: por volta de 1994 ia, junto com meu irmão, jogar Road Rash, do 3DO, numa loja do centro que alugava o uso do console por algumas horas. O jogo tinha músicas muito legais do Swervedriver (Duel e Last Train do Satansville), Therapy?, Monster Magnet e mais uma cujo nome não tenho certeza, mas acho que era o Paw. Um ano depois vi clipes da banda no Lado B da MTV, mas disco mesmo só achei na era do MP3. Se tudo era mais difícil, por outro lado a dificuldade de acesso tornava as experiências de ouvir um som pela primeira vez em algo mais emocionante. Se estou romantizando o passado, desculpem-me, mas é a sensação que tenho, porque foram experiências tão marcantes que ainda tenho a memória delas.
E eis que um quarto de século depois de ouvir o Swervedriver pela primeira vez é anunciado um show deles no Brasil. Ontem, primeiro de maio de 2016, vinte e cinco anos depois daquela reportagem do Naporano, fiquei cara a cara com a banda. E mais perto que imaginava que conseguiria, em frente ao palco mesmo.
Comprei o ingresso meio em cima da hora, devido a algumas contingências, mas por um preço um pouquinho melhor ainda. Devido a problemas de saúde da minha avó, para ajudar minha irmã, não pude ir para São Paulo, onde rolou o show, durante todo o final de semana. Fui no domingo de manhã mesmo, depois de dormir tarde, para fazer um bate e volta. Estava pensando em ir mais tarde, mas peguei o ônibus no horário certinho, de manhãzinha, para encontrar meu velho amigo Daniel Ikuma, que também foi ao show, pois botei pilha nele. Conheço o Daniel desde 1999, quando fomos num festival chamado 48 Horas, no campus da Unesp de Marília, no qual vimos shows do Autoboneco, Biggs e Garage Fuzz. Companheirão de grandes rolês, como o show do Shellac que vimos em 2008. Chegamos ambos às 13:00 e já fomos direto para Liberdade, bairro onde fica o Cine Joia, a casa de shows onde seria realizado o Balaclava Fest 3, o festival que teve a feliz ideia de trazer o Swervedriver ao Brasil.
Na Liberdade, meu xará fez o check-in no hotel e fomos almoçar. O engraçado foi que eu já conhecia o bairro – ao menos a parte nos arredores do metrô – e ele, de ascendência japonesa, não. Botamos as conversas sobre punk rock em dia e ele me contou uma história muito bacana enquanto passeávamos pelo bairro: o bisavô dele ia lá comprar LPs de música japonesa, os famosos vinis de 78 RPM, nos anos setenta. Nos anos cinquenta eles já tinham vitrola em casa.
Depois de umas brejas, entramos no Cine Joia. Arrependemo-nos de ficarmos marcando muito tempo na porta, trocando ideia, e ainda gastarmos partes do tempo do primeiro show para comprarmos o vinil do disco mais recente do Swervedriver, pois havia poucas cópias; poderíamos ter feito isso assim que as portas se abriram e teríamos visto todo o show do Medialunas. Das bandas de abertura, achei a melhor. Um duo composto por um casal, guitarra e bateria. A baterista contou, antes de iniciar a música de que mais gostei, que ela foi ensaiada em meio aos cuidados do bebê deles. O som, enérgico, foi bacana demais e refletiu esse amor – ao menos para mim.
A segunda banda era mais para apreciar as dissonâncias psicodélicas. Também não tem baixista e se chama Quarto Negro. Lembrou-me velhas ilustrações de anúncios, acho que de cursos por correspondências, que via em revistas de quadrinhos infantis, nos anos setenta, quando eu era criancinha: estes anúncios tinham o desenho de uma banda com um cara bem ripongo tocando teclado. O tecladista da banda não tem o visu tão hippie assim, mas para mim ficou impossível não associar. Pouco depois veio a terceira banda, o Supercordas, a única das bandas nacionais do festival da qual já tinha ouvido falar; no entanto, nunca tinha ouvido. Optei por não ouvir nenhuma previamente, quis conhecer ao vivo – pois era assim que conheci muitas bandas nas antigas. A princípio não gostei, tinha algo de rock rural – estou sendo impreciso, não é bem isso – que não me agradou. O Daniel já tinha ouvido e não gostava. O público, começando a ficar mais numeroso, ou ao menos a se aproximar mais do palco, parecia curtir. De onde eu estava, num canto mais atrás, não distinguia o que estava sendo cantado. Resolvi chegar perto do palco e consegui discernir as letras. Aí comecei a gostar, pareceram-me boas narrativas. O som, entre o minimalismo em algumas músicas e mais sofisticado em outras, conseguiu me pegar. Deixaram para destacar politicamente no final o que já haviam mostrado no começo: o vocalista, também guitarrista, levantou um cartaz escrito “Vai ter luta”, em referência à reação ao (provável) impeachment da presidente Rousseff.
Por fim, depois de alguma espera, entra o Swervedriver. E começaram com Autodidact, do disco novo, como o Daniel previu, baseado nos setlists que viu. As bandas podiam variar mais, não é? Hoje tá tudo um pouco previsível demais. Mas já compensou de cara: a execução foi sutilmente diferente da versão de estúdio e, das músicas novas, é das mais bonitas, ao lado de Winter Dephts, que não está no disco e não fez parte da apresentação. Para mim foi curioso notar que quem estava no baixo era Mickey Quinn, do Supergrass, banda da qual nem sou muito fã – aliás, odiava, até ganhar o primeiro disco e descobrir que apenas Alright é que era ruim mesmo. Os clássicos finalmente vieram. Em Never Lose That Feeling aquela barragem de guitarra distorcida no talo, lembrando My Bloody Valentine, providenciada por Jimmy Hartridge, só veio no primeiro riff, depois ela não se destacava. Para mim fez falta; não sei se foi opção ou falha do som. Rave Down foi de emocionar. Em Son of Mustang Ford a batera do Medialunas subiu na beira do palco. Como pouco antes um cara tinha saído daquele canto e havia entrado uns malucos mais altos na minha frente, havia posto meu vinil recém-comprado em cima da beirada do palco e encostado no canto direito, perto das caixas de som. Foi a conta de tirar correndo o disco, ela quase pisou em cima. Ela dançou em frente à banda e pediu para o público segurá-la, já tinha segurança indo atrás dela. O público era quieto, não era de mosh ou pogo, só havia alguns cabeludos batendo cabeça – um com camisa do Pixies, lembro-me bem. Enfim, ela conseguiu que uma galera das bandas de abertura a segurasse para ela pular. Foi a única pessoa a fazer stage dive no show. Não é à toa que foi chamada de musa por uma mina, durante o show do Medialunas. Quando veio bis, resolvi ir mais para o meio, pois o retorno do vocal estava começando a incomodar o ouvido, no canto onde estava. O bis foi perfeito para mim, minhas duas músicas favoritas deles: Last Train to Satansville, muito foda, e Duel. Aí uma menina que estava colada no palco resolveu sair e fui para o lugar dela. Vi Duel a uns dois metros de Adam Franklin. Que noite! Ao me despedir do Daniel, em frente ao metrô Liberdade, fiz questão de abraçá-lo e dizer que foi uma honra ter visto esse show com ele.
Já o Swervedriver só fui ouvir de novo no primeiro jogo de videogame que tinha, com todo o respeito aos compositores de 8-bit, músicas de verdade, acho: por volta de 1994 ia, junto com meu irmão, jogar Road Rash, do 3DO, numa loja do centro que alugava o uso do console por algumas horas. O jogo tinha músicas muito legais do Swervedriver (Duel e Last Train do Satansville), Therapy?, Monster Magnet e mais uma cujo nome não tenho certeza, mas acho que era o Paw. Um ano depois vi clipes da banda no Lado B da MTV, mas disco mesmo só achei na era do MP3. Se tudo era mais difícil, por outro lado a dificuldade de acesso tornava as experiências de ouvir um som pela primeira vez em algo mais emocionante. Se estou romantizando o passado, desculpem-me, mas é a sensação que tenho, porque foram experiências tão marcantes que ainda tenho a memória delas.
E eis que um quarto de século depois de ouvir o Swervedriver pela primeira vez é anunciado um show deles no Brasil. Ontem, primeiro de maio de 2016, vinte e cinco anos depois daquela reportagem do Naporano, fiquei cara a cara com a banda. E mais perto que imaginava que conseguiria, em frente ao palco mesmo.
Comprei o ingresso meio em cima da hora, devido a algumas contingências, mas por um preço um pouquinho melhor ainda. Devido a problemas de saúde da minha avó, para ajudar minha irmã, não pude ir para São Paulo, onde rolou o show, durante todo o final de semana. Fui no domingo de manhã mesmo, depois de dormir tarde, para fazer um bate e volta. Estava pensando em ir mais tarde, mas peguei o ônibus no horário certinho, de manhãzinha, para encontrar meu velho amigo Daniel Ikuma, que também foi ao show, pois botei pilha nele. Conheço o Daniel desde 1999, quando fomos num festival chamado 48 Horas, no campus da Unesp de Marília, no qual vimos shows do Autoboneco, Biggs e Garage Fuzz. Companheirão de grandes rolês, como o show do Shellac que vimos em 2008. Chegamos ambos às 13:00 e já fomos direto para Liberdade, bairro onde fica o Cine Joia, a casa de shows onde seria realizado o Balaclava Fest 3, o festival que teve a feliz ideia de trazer o Swervedriver ao Brasil.
Na Liberdade, meu xará fez o check-in no hotel e fomos almoçar. O engraçado foi que eu já conhecia o bairro – ao menos a parte nos arredores do metrô – e ele, de ascendência japonesa, não. Botamos as conversas sobre punk rock em dia e ele me contou uma história muito bacana enquanto passeávamos pelo bairro: o bisavô dele ia lá comprar LPs de música japonesa, os famosos vinis de 78 RPM, nos anos setenta. Nos anos cinquenta eles já tinham vitrola em casa.
Depois de umas brejas, entramos no Cine Joia. Arrependemo-nos de ficarmos marcando muito tempo na porta, trocando ideia, e ainda gastarmos partes do tempo do primeiro show para comprarmos o vinil do disco mais recente do Swervedriver, pois havia poucas cópias; poderíamos ter feito isso assim que as portas se abriram e teríamos visto todo o show do Medialunas. Das bandas de abertura, achei a melhor. Um duo composto por um casal, guitarra e bateria. A baterista contou, antes de iniciar a música de que mais gostei, que ela foi ensaiada em meio aos cuidados do bebê deles. O som, enérgico, foi bacana demais e refletiu esse amor – ao menos para mim.
A segunda banda era mais para apreciar as dissonâncias psicodélicas. Também não tem baixista e se chama Quarto Negro. Lembrou-me velhas ilustrações de anúncios, acho que de cursos por correspondências, que via em revistas de quadrinhos infantis, nos anos setenta, quando eu era criancinha: estes anúncios tinham o desenho de uma banda com um cara bem ripongo tocando teclado. O tecladista da banda não tem o visu tão hippie assim, mas para mim ficou impossível não associar. Pouco depois veio a terceira banda, o Supercordas, a única das bandas nacionais do festival da qual já tinha ouvido falar; no entanto, nunca tinha ouvido. Optei por não ouvir nenhuma previamente, quis conhecer ao vivo – pois era assim que conheci muitas bandas nas antigas. A princípio não gostei, tinha algo de rock rural – estou sendo impreciso, não é bem isso – que não me agradou. O Daniel já tinha ouvido e não gostava. O público, começando a ficar mais numeroso, ou ao menos a se aproximar mais do palco, parecia curtir. De onde eu estava, num canto mais atrás, não distinguia o que estava sendo cantado. Resolvi chegar perto do palco e consegui discernir as letras. Aí comecei a gostar, pareceram-me boas narrativas. O som, entre o minimalismo em algumas músicas e mais sofisticado em outras, conseguiu me pegar. Deixaram para destacar politicamente no final o que já haviam mostrado no começo: o vocalista, também guitarrista, levantou um cartaz escrito “Vai ter luta”, em referência à reação ao (provável) impeachment da presidente Rousseff.
Por fim, depois de alguma espera, entra o Swervedriver. E começaram com Autodidact, do disco novo, como o Daniel previu, baseado nos setlists que viu. As bandas podiam variar mais, não é? Hoje tá tudo um pouco previsível demais. Mas já compensou de cara: a execução foi sutilmente diferente da versão de estúdio e, das músicas novas, é das mais bonitas, ao lado de Winter Dephts, que não está no disco e não fez parte da apresentação. Para mim foi curioso notar que quem estava no baixo era Mickey Quinn, do Supergrass, banda da qual nem sou muito fã – aliás, odiava, até ganhar o primeiro disco e descobrir que apenas Alright é que era ruim mesmo. Os clássicos finalmente vieram. Em Never Lose That Feeling aquela barragem de guitarra distorcida no talo, lembrando My Bloody Valentine, providenciada por Jimmy Hartridge, só veio no primeiro riff, depois ela não se destacava. Para mim fez falta; não sei se foi opção ou falha do som. Rave Down foi de emocionar. Em Son of Mustang Ford a batera do Medialunas subiu na beira do palco. Como pouco antes um cara tinha saído daquele canto e havia entrado uns malucos mais altos na minha frente, havia posto meu vinil recém-comprado em cima da beirada do palco e encostado no canto direito, perto das caixas de som. Foi a conta de tirar correndo o disco, ela quase pisou em cima. Ela dançou em frente à banda e pediu para o público segurá-la, já tinha segurança indo atrás dela. O público era quieto, não era de mosh ou pogo, só havia alguns cabeludos batendo cabeça – um com camisa do Pixies, lembro-me bem. Enfim, ela conseguiu que uma galera das bandas de abertura a segurasse para ela pular. Foi a única pessoa a fazer stage dive no show. Não é à toa que foi chamada de musa por uma mina, durante o show do Medialunas. Quando veio bis, resolvi ir mais para o meio, pois o retorno do vocal estava começando a incomodar o ouvido, no canto onde estava. O bis foi perfeito para mim, minhas duas músicas favoritas deles: Last Train to Satansville, muito foda, e Duel. Aí uma menina que estava colada no palco resolveu sair e fui para o lugar dela. Vi Duel a uns dois metros de Adam Franklin. Que noite! Ao me despedir do Daniel, em frente ao metrô Liberdade, fiz questão de abraçá-lo e dizer que foi uma honra ter visto esse show com ele.
Adam Franklin. Foto que tirei com celular no bis, durante o início de Duel, quando encostei no palco. |
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