Eu me lembro do primeiro
fliperama em que fui. Meu pai me levou num que ficava na rua Assis Figueiredo,
a principal rua central da minha cidade natal, no fim dos anos setenta ou no
começo dos anos oitenta. Não me lembro bem das máquinas, a não ser uma, que
tinha uma bazuca. Foi essa que meu pai me ensinou a jogar. Era um jogo de tiro,
obviamente; você apertava o gatilho da bazuca e destruí os inimigos no campo de
batalha. Não me lembro mais bem se eram tanques, jipes, mas acho que era algo
assim. O que me lembro melhor é dos enfermeiros, pois não podia acertá-los,
pois senão perdia pontos ou vidas. Forço a memória e não sei se estou viajando,
mas acho que eram dois enfermeiros carregando um soldado numa padiola. Eram
apenas riscos de luz, acho que verdes, na tela, projetando figuras simples sob
um fundo estático. Fascinantes.
Eu lembro-me de quando vi o
primeiro videogame, aquele do jogo de tênis, na casa de um vizinho (acho que
era do irmão mais velho dele, que jogava na seleção brasileira de basquete; o
Oscar chegou a visitar meu prédio), e de como achei tosco comparado com o Atari
lá de casa. A mesma sensação deve ser experimentada por um garoto acostumado às
caixas xis aí ao se deparar com um Atari ou esse jogo da bazuca que tanto me
fascinava aos sábados de manhã. Pelo o que me lembro meu pai ia cortar o cabelo
aos sábado de manhã e aproveitava para passar rapidinho no fliperama comigo.
Esse lugar depois virou uma banca de revistas, onde comprei vários dos meus
primeiros quadrinhos e hoje é uma loja qualquer, sem alma. Não que esse lugar
tivesse alma antes, mas tinha para um garoto.
Mais velho, meus pais ficavam
cabreiros quando eu e meu irmão fôssemos a fliperamas. Era algo “de marginal”. É
claro que isso tornava ir aos fliperamas uma aventura irresistível. Óbvio,
evidente, elementar, não tem como. Isso já era quando tínhamos uns doze, treze
anos. Havia três fliperamas na cidade, que me lembre. O do Palace Hotel, cheio
de raridades, como jogos dos anos quarenta – o primeiro importador de
fliperamas do Brasil era da cidade, sei disso porque digitei o texto do filho
dele contando essa história, pois ele os manuscrevia e não sabia
datilografar/digitar – e o meu amado jogo de bazuca; o da Rua Rio de Janeiro,
com duas máquinas de jogos de videogame que eram muito melhores nas máquinas
(Ghosts and Goblins e Moon Patrol) e o da praça. Esse achava sinistro. Tinha um
num antigo cinema que era muito, mas muito mais sinistro. Tinha não, ainda tem,
mas acho que abriu depois. Sei lá por que é o único que ainda existe – se é que
existe, eu nem passo muito por lá – e continuo-o achando meio sinistro.
De qualquer forma, duas das
histórias que mais gosto de fliperama aconteceram neste da praça. Tínhamos medo
de ir ao fliper, como dizíamos, por ficarmos encucados com as conversas de
nossos progenitores de que lá só havia marginais e tal. Portanto, ir era
irresistível, como já expliquei. Quando tomamos coragem, nosso amigo Márcio
resolveu apelar numa máquina de pinball. A bola passou e ia inevitavelmente
embora. Ainda batendo debaixo dos pinos, o Márcio levantou a máquina e a pôs de
volta no jogo. Foi curioso, pois ele era magrelo e teve força para levantar
aquilo. Era uma manha que ele tinha aprendido com os freqüentadores. Achou que
ficaria impune. O dono ou empregado de confiança do dono só faltou pular por
cima do balcão como num filme de faroeste. O Márcio levou um esporro que nos
foi hilário e nem se abalou.
Na outra não estava presente, foi
antes e foi hilária para mim ao descobri-la, quase me urinei de rir ao saber. Nosso
amigo Evandro que me contou: o Márcio o chamou e a outro amigo, acho que o
Paulo Augusto, para jogarem lá. Eles foram com os dois cus nas mãos, pois
sabiam que o lugar era mal afamado. O Márcio, safo, já trampava de office boy e
tinha as manhas das ruas. O que não mudava o fato de que ele era engraçadamente
sem noção. Segundo o Evandro, eles entraram no fliperama fazendo de tudo para
ser o mais discretos quanto possível. Eles, no caso, eram o Paulo e o Evandro.
Ao entrar, o Márcio virou-se e falou para eles: “VIU, NÃO FALEI PARA VOCÊS QUE
TODO MUNDO AQUI É GENTE BOA?” num volume de voz de fazer virar todos olhares de
ódio do local para eles. Para mim foi como se ele tivesse cavado um buraco no
chão e vindo direto contar o caso para mim. É claro que nada aconteceu. Eu
nunca vi ou ouvi falar de treta de verdade no fliperama. Flipper para mim foi
tudo isso de bom: seriado de televisão da infância, aventura da
pré-adolescência e banda amada da adolescência em diante.
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