Hora do recreio tinha uma peleja
clássica. Bater figurinha. Perder uma figurinha difícil, nos anos oitenta, era o equivalente
infantil a perder fortunas no pôquer ou no cassino. Até hoje
deve ser assim.
Colecionei figurinha de álbum de
carros, motos e aviões. Não me ligava nas de jogadores de futebol, populares
até mesmo na Copa de 2014. Tenho vaga lembrança de colecionar da Copa de 1986, mas
deve ser falsa memória. Ou dei o álbum de presente para alguém. Portanto,
memória inventada. Devo mesmo é ter acompanhado as brigas por esse álbum.
Porque figurinhas também já foram questão de sair na porrada para mim, por mais
franzino e suscetível a apanhar que eu fosse.
Toda hora aparecia álbum novo. O
que eu mais admirava era um álbum de “rock”. Não vou lembrar o nome nunca.
Tinha logos de bandas de heavy metal, caveiras e tudo que moleque gosta. Era
obrigatório gostar, assim como também era ler O Escaravelho do Diabo. Quem não
fazia isso era carola mariquinha. Sei que é bobagem, mas quem ia explicar isso
para nós? Ninguém explicou. Ah, também gostava das figurinhas do Guerra nas
Estrelas, mas acho que nunca vi o álbum, só as figurinhas.
Na minha sala na escola tinha um
amigo, o Alexandre, cujo pai era dono de bancas de jornal. Às vezes ele nos
dava pacotinhos promocionais de figurinhas. As que eu mais gostava eram as
cromadas, que tinham nesse álbum de rock/metal. Aquilo era lindo demais pra mim.
Quando vejo livros gringos de ficção científica em sebos, especialmente os mais
próximos do cyberpunk, observo como essa estética era forte à época,
característica demais, e algo que não enferrujou; o que é cromado teoricamente é
resistente à ferrugem mesmo.
Mas falava em sair na porrada por
causa de figurinha. Na verdade, não fiz isso, mas sim uma apelação vergonhosa.
Uma vez perdi uma figurinha da qual gostava, creio que uma de moto, e fiquei bravo com meu amigo que
ganhou de mim na disputa. Ele se chama Emerson, era menor e eu colei chiclete no cabelo
dele na mesma hora. Ele começou a chorar e fui embora. Impressionante como
criança é cruel. De longe, vi um cara mega babaca, maior do que eu, da quarta série
e repetente, que gostava de zoar os moleques menores, ajudando-o e cortando o
cabelo dele com uma tesoura para tirar o chiclete. Naquele dia fui pior do que
ele. Pior ainda: nunca completei nenhum álbum de figurinhas.
P.S. Sempre que vejo o Emerson na
rua, procuro dar carona para ele. É, sinto-me culpado por aquilo.
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