Havia Atari e tinha brinquedos de
guerra. Tanques, armas e soldados de brinquedo hoje me parecem uma bizarria,
mas vá lá. Que eu gostava de brincar de guerrinha, gostava. Quase todas as
crianças gostavam. Quer dizer, ao menos os meninos (mau sinal, não é?). Teve
uma vez que foi fera demais. Armamos (opa) de fazer uma guerrinha diferente: em
vez de ser entre a molecada com pistolas de brinquedo – ou mãos fazendo as vezes de
revólveres – com nós mesmos bancando os
soldados, fizemos uma guerra entre os nossos brinquedos. Juntou um pessoalzinho
na casa do Coruja, amigo nosso de Santos, que costumava passar as férias em
Poços de Caldas na casa da avó dele, na rua de cima. Combinamos assim: as escaramuças
aconteceriam no gramado do quintal. No corredor ficava o nosso quartel-general.
Na edícula do fundo, onde era aberta a área da máquina de lavar, ficava o
quartel-general do inimigo, que no caso era nosso amigo Maurício, cujos pais
tinham grana, o que lhe proporcionava tantos brinquedos de guerra que era ele
sozinho contra a rapa. Assim seguiu-se a batalha, cheia de estratégias e
bombardeios com pedrinhas nas naves; se alguma era acertada tava fora. Os quartéis generais eram protegidos por campos de força. Mesmo invisíveis, respeitávamos
completamente o ente intangível que criamos. Assim se deu por horas. O mecanismo do campo de
força eram pedras que deviam ficar em cima de uma cadeira; punham-se elas no
chão e se entrava com os brinquedos que não podiam mais ser atacados. Não me
lembro mais quem gritou, acho que foi o Coruja.
- OLHA O CAMPO DE FORÇA DELE
DESLIGADO!
O Maurício estava atacando algum
flanco. Ele estava longe da casinha do fundo. Saímos correndo e entramos impetuosamente
dentro do quartel-general dele. Lembro que estávamos eu, meu irmão e o Coruja,
mas tinha mais moleques ainda. Eu tranquilamente bombardeei com pedrinhas os
bonequinhos de soldado dele, no começo. Quando vi, no entanto, o Coruja estava
dando bicudas nos jipes e tanques do Maurício. Aí todos os combatentes
decidiram que não haveria prisioneiros. Não conhecíamos a Convenção de Genebra
ainda, éramos muito jovens. Ele voltou para lá gritando para pararmos, mas
fomos derrubando e “explodindo” tudo. Conversando com meu irmão hoje, ele
lembrou que o Maurício levou para lá uma bela réplica de um F-14 Tomcat, desses que se
monta pacientemente com cola em casa. Voou pelos ares, no mau sentido, durante
aquela blitzkrieg bop mirim. O Maurício foi embora chorando, juntando os cacos
dos brinquedos dele. Se eu fosse ele, sairia chutando nossos brinquedos, afinal
ele saiu pelo corredor atravessando o nosso campo de força invisível, que
deixamos cuidadosamente ligado. Mas ele não foi à forra. Depois ficamos morrendo de medo dos pais dele bater
na porta de nossas casas e cobrarem-nos os brinquedos estragados. Não deu nada.
Ninguém se machucou mesmo. Essas guerras são as únicas que não são tão bestas.
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