Wednesday, January 09, 2019

L7

Em meados do ano um amigo avisou que teria show do L7 no Brasil. Desta vez era de um jeito que me interessava: mais underground, numa casa noturna. Bem diferente de quando estiveram aqui um quarto de século atrás, num grande festival zoado. Apesar dos pesares, devia ter ido, naqueles dias confusos da adolescência. Quem tocou junto foi o Nirvana, que fez uma apresentação ruim, mas foi a única vez que passaram no Brasil.
Por essas e outras, o L7 ficou muito associado ao grunge e às bandas de Seattle. Na real, é um grupo de Los Angeles, na Califórnia, composto apenas por mulheres (com exceção do primeiro disco, de 1988, quando o batera era homem) e cujo som é punk rock bem garageiro, mas com mais peso do que as bandas de garage rock. Voltaram a tocar em 2015 e lançaram duas músicas novas agora em 2018. Mais importante, com a formação clássica, com o retorno da baixista Jennifer Finch.
Avisei amigos de iria a um show do rapper Kamau, com entrada franca, no Centro Cultural São Paulo, numa passagem por São Paulo, em dois de dezembro. Então Luiz Fernando Natel, o amigo que avisara sobre o L7 no meio do ano, lembrou-me a respeito. Vi que tinha o suficiente para ir, o preço era razoável, não havia aumentado. Bora.
Peguei o metrô para o Butantã e eu e outro sujeito também meio perdido na rua seguimos umas meninas tatuadas e de preto pelo caminho. Só que elas também estavam perdidas, mas sem problemas, todos nós tínhamos indicações de amigos. Não deu outra, logo achamos o local, nos despedimos e desejamos bom show um para os outros. O Luiz Fernando chegaria mais tarde. Por isso, cheguei no meio do show da primeira banda de abertura, o Deb and the Mentals, banda brasileira da nova geração. Deu para ver que é divertido, punk n’roll, ou seja, tem algumas influências de hard rock.
Depois de certa demora os Pin Ups subiram ao palco. É o grupo que mais vi ao vivo nos anos noventa, ao lado do Raimundos e do Autoboneco. Sou muito fã deles, mas não quis ir ao show da volta, temeroso de me decepcionar. Agora, no entanto, paguei para ver, queira ou não. Foi lindo. Não reconheci as primeiras músicas, o som estava ruim, mas era indie rock dos mais barulhentos e o vocal da baixista Alê Briganti ainda era reconhecível. Fizeram um show curto e grosso, com vários clássicos da minha juventude: Guts, Witkin, Going On e outras tantas. Não bastasse isto, encerraram com uma excelente cover de You Made Me Realize, do My Bloody Valentine, pioneiros do shoegaze, o que me surpreendeu positivamente, pois sempre achei que tinham exercido influência neles. Eu estava certo.
O Soul Asylum foi um bônus. Não estavam anunciados, foram encaixados de última hora, devido ao cancelamento de um festival em Sorocaba no qual tocariam. São de Minneapolis e fizeram bastante sucesso na época do grunge. Logo na primeira música, 99%, notei como o som estava mais nítido e mais limpo, refletindo a sonoridade deles, muito mais melódica do que seus pares. Hits como Runaway Train e Somebody to Shove, baladas, canções que lembram seus conterrâneos hardcore, Hüsker Dü e Replacements, muito peso no final do longo show: teve de tudo e muito bem executado pelos novos músicos.
Esperava que o show do L7 fosse bom, mas excedeu minhas expectativas. Até porque tive mais contato com o Pin Ups ao longo dos anos, por serem brasileiros, achei que os paulistanos fariam minha apresentação favorita da noite. Mas L7 ao vivo foi maravilhoso demais; mesmo sem ouvir boa parte das músicas há muito tempo, elas estão entranhadas no meu DNA. O show começou com o som muito baixo, sujo e cavernoso, mas foi melhorando com o tempo. Reconheci cada música, lembrei-me de boa parte das letras, então pude cantar junto desde a abertura, com Deathwish. Veio Andres, Everglade e Monster, um clássico atrás do outro na sequência. Comecei a derreter, estava lotado e muito quente. Mas fiquei firme, pogando, mesmo estando sozinho, e cantando junto. Não temia estar só no meio da roda de pogo, afinal é uma banda feminista, que esteve à frente do movimento Rock for Choice, a favor da legalização do aborto, nos anos noventa. Sabia que não estava entre os fascistas ignorantes que brotaram no meio do metal e classic rock.
Em meio a vários outros sons que marcaram época, como Fuel My Fire, Shove, (Right on) Thru e Shitlist, tocaram as novas canções: I Came Back to Bitch e Dispatch from Mar-A-Lago. Antes dessa última, a guitarrista e vocalista Suzi Gardner explicou que gostariam que as pessoas irrompessem pela propriedade de Donald Trump mencionada no título e dessem cabo de suas ignomínias. Outra fala marcante no meio do show foi quando a outra guitarrista e vocalista, Donita Sparks, afirmou que estava com muito tesão e que treparia com qualquer coisa, o que levou muitos a gargalhadas.
O bis veio rápido, com a versão de American Society, da obscura, mas pioneira, agremiação punk Eddie and the Subtitles. Logo depois, pediram para que as pessoas tivessem cuidado com quem estava próximo ao palco, quando começasse o empurra-empurra. Soube que viria o grande hit delas, Pretend We´re Dead, e voilá, veio mesmo. Mesmo estando meio atrás no meio da muvuca, consegui ver a baterista Dee Plakas fazer os backing vocals. Por fim, mandavam ver Fast and Frightening, que é minha música favorita delas. Foi um privilégio. Ao fim da noite, consegui encontrar Luiz Fernando e sua namorada Camila, além de uma amiga de Bauru que não via há uns 15 anos, a Marília, e que estava a mesma, como se o tempo não tivesse passado. Foi essa a sensação que a noite me proporcionou, aliás.

Daniel Souza Luz é jornalista e revisor

Esta crônica foi publicada em 29 de dezembro de 2018 no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG). Ocupou quase toda a página oito e mesmo assim tive que editá-la. Algum dia publico a versão integral do texto.


Capa do single Pretend We´re Dead (1992), do L7. É das capas e tatuagens mais bacanas que já vi. A imagem desta versão em cassete foi retirada do site Discogs, creio que é uma imagem escaneada que serve para efeitos de divulgação e provavelmente não infringe nenhum direito autoral sua utilização.

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