Em meados do ano um amigo avisou
que teria show do L7 no Brasil. Desta vez era de um jeito que me interessava:
mais underground, numa casa noturna. Bem diferente de quando estiveram aqui um
quarto de século atrás, num grande festival zoado. Apesar dos pesares, devia
ter ido, naqueles dias confusos da adolescência. Quem tocou junto foi o
Nirvana, que fez uma apresentação ruim, mas foi a única vez que passaram no
Brasil.
Por essas e outras, o L7 ficou
muito associado ao grunge e às bandas de Seattle. Na real, é um grupo de Los
Angeles, na Califórnia, composto apenas por mulheres (com exceção do primeiro
disco, de 1988, quando o batera era homem) e cujo som é punk rock bem
garageiro, mas com mais peso do que as bandas de garage rock. Voltaram a tocar
em 2015 e lançaram duas músicas novas agora em 2018. Mais importante, com a
formação clássica, com o retorno da baixista Jennifer Finch.
Avisei amigos de iria a um show
do rapper Kamau, com entrada franca, no Centro Cultural São Paulo, numa passagem
por São Paulo, em dois de dezembro. Então Luiz Fernando Natel, o amigo que
avisara sobre o L7 no meio do ano, lembrou-me a respeito. Vi que tinha o
suficiente para ir, o preço era razoável, não havia aumentado. Bora.
Peguei o metrô para o Butantã e eu
e outro sujeito também meio perdido na rua seguimos umas meninas tatuadas e de
preto pelo caminho. Só que elas também estavam perdidas, mas sem problemas,
todos nós tínhamos indicações de amigos. Não deu outra, logo achamos o local,
nos despedimos e desejamos bom show um para os outros. O Luiz Fernando chegaria
mais tarde. Por isso, cheguei no meio do show da primeira banda de abertura, o Deb
and the Mentals, banda brasileira da nova geração. Deu para ver que é
divertido, punk n’roll, ou seja, tem algumas influências de hard rock.
Depois de certa demora os Pin Ups
subiram ao palco. É o grupo que mais vi ao vivo nos anos noventa, ao lado do
Raimundos e do Autoboneco. Sou muito fã deles, mas não quis ir ao show da volta,
temeroso de me decepcionar. Agora, no entanto, paguei para ver, queira ou não.
Foi lindo. Não reconheci as primeiras músicas, o som estava ruim, mas era indie
rock dos mais barulhentos e o vocal da baixista Alê Briganti ainda era
reconhecível. Fizeram um show curto e grosso, com vários clássicos da minha
juventude: Guts, Witkin, Going On e outras tantas. Não bastasse isto,
encerraram com uma excelente cover de You Made Me Realize, do My Bloody
Valentine, pioneiros do shoegaze, o que me surpreendeu positivamente, pois
sempre achei que tinham exercido influência neles. Eu estava certo.
O Soul Asylum foi um bônus. Não
estavam anunciados, foram encaixados de última hora, devido ao cancelamento de
um festival em Sorocaba no qual tocariam. São de Minneapolis e fizeram bastante
sucesso na época do grunge. Logo na primeira música, 99%, notei como o som
estava mais nítido e mais limpo, refletindo a sonoridade deles, muito mais
melódica do que seus pares. Hits como Runaway Train e Somebody to Shove,
baladas, canções que lembram seus conterrâneos hardcore, Hüsker Dü e
Replacements, muito peso no final do longo show: teve de tudo e muito bem
executado pelos novos músicos.
Esperava que o show do L7 fosse
bom, mas excedeu minhas expectativas. Até porque tive mais contato com o Pin
Ups ao longo dos anos, por serem brasileiros, achei que os paulistanos fariam
minha apresentação favorita da noite. Mas L7 ao vivo foi maravilhoso demais;
mesmo sem ouvir boa parte das músicas há muito tempo, elas estão entranhadas no
meu DNA. O show começou com o som muito baixo, sujo e cavernoso, mas foi
melhorando com o tempo. Reconheci cada música, lembrei-me de boa parte das
letras, então pude cantar junto desde a abertura, com Deathwish. Veio Andres,
Everglade e Monster, um clássico atrás do outro na sequência. Comecei a
derreter, estava lotado e muito quente. Mas fiquei firme, pogando, mesmo
estando sozinho, e cantando junto. Não temia estar só no meio da roda de pogo,
afinal é uma banda feminista, que esteve à frente do movimento Rock for Choice,
a favor da legalização do aborto, nos anos noventa. Sabia que não estava entre
os fascistas ignorantes que brotaram no meio do metal e classic rock.
Em meio a vários outros sons que
marcaram época, como Fuel My Fire, Shove, (Right on) Thru e Shitlist, tocaram
as novas canções: I Came Back to Bitch e Dispatch from Mar-A-Lago. Antes dessa
última, a guitarrista e vocalista Suzi Gardner explicou que gostariam que as
pessoas irrompessem pela propriedade de Donald Trump mencionada no título e
dessem cabo de suas ignomínias. Outra fala marcante no meio do show foi quando
a outra guitarrista e vocalista, Donita Sparks, afirmou que estava com muito
tesão e que treparia com qualquer coisa, o que levou muitos a gargalhadas.
O bis veio rápido, com a versão
de American Society, da obscura, mas pioneira, agremiação punk Eddie and the
Subtitles. Logo depois, pediram para que as pessoas tivessem cuidado com quem
estava próximo ao palco, quando começasse o empurra-empurra. Soube que viria o
grande hit delas, Pretend We´re Dead, e voilá, veio mesmo. Mesmo estando meio
atrás no meio da muvuca, consegui ver a baterista Dee Plakas fazer os backing
vocals. Por fim, mandavam ver Fast and Frightening, que é minha música favorita
delas. Foi um privilégio. Ao fim da noite, consegui encontrar Luiz Fernando e sua
namorada Camila, além de uma amiga de Bauru que não via há uns 15 anos, a
Marília, e que estava a mesma, como se o tempo não tivesse passado. Foi essa a
sensação que a noite me proporcionou, aliás.
Daniel Souza Luz é
jornalista e revisor
Esta crônica foi publicada em 29 de dezembro de 2018 no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG). Ocupou quase toda a página oito e mesmo assim tive que editá-la. Algum dia publico a versão integral do texto.
Esta crônica foi publicada em 29 de dezembro de 2018 no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG). Ocupou quase toda a página oito e mesmo assim tive que editá-la. Algum dia publico a versão integral do texto.
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