- Pai, o senhor pode voar
igual ao Super Homem?
- Posso.
- Então voa.
- Não quero.
- Por quê?
- As pessoas podiam ficar com inveja, e não quero que elas saiam voando por aí. Pior do que um invejoso, só um invejoso voador.
- Posso.
- Então voa.
- Não quero.
- Por quê?
- As pessoas podiam ficar com inveja, e não quero que elas saiam voando por aí. Pior do que um invejoso, só um invejoso voador.
Calor Humano tal como foi publicada no Jornal da Cidade, na página 10 da edição 6950 |
Nunca menti para meu filho. Mas toda vez que sou
sincero com minha esposa, chamas envolvem o meu estômago.
- Amanhã ele vai à missa comigo.
- Você vai transformá-lo em um robô.
- Amanhã ele vai à missa comigo.
- Você vai transformá-lo em um robô.
- Não somos idiotas, e nem seu filho – nosso
filho! – será...
- Ele deveria escolher se quer ir, ou não, quando for adulto.
- Mas...
- Não sei por que casamos. Um par de coisas fundamentais não se encaixa entre nós.
- Ele deveria escolher se quer ir, ou não, quando for adulto.
- Mas...
- Não sei por que casamos. Um par de coisas fundamentais não se encaixa entre nós.
Minha língua funcionou como um lança-chamas. E
ela se queimou mesmo. Não devia deixar algo tão abrasivo escapar. Estávamos
todos de mau humor, e mais cedo ou mais tarde ela inventaria uma desculpa
qualquer para sair pelo mundo. Nós berramos desvairadamente naquela noite.
Tanto o vizinho de cima quanto o debaixo reclamaram na portaria.
- Você não pode gritar com seu filho! Nem se ele
gritar. Nunca!
Levou tudo e deixou apenas uma foto. Um carola
casou com ela. A guarda do garoto foi dada à mãe. Os três acabaram dentro de um
ônibus, em um precipício, quando iam para Aparecida.
Tentei fazer uma escultura de gesso de nós três,
a partir da foto. Pelo menos teria mais uma lembrança material. Pareceríamos
tão feios se a concluísse que nem chorei ao rebentá-la contra a parede. Fiquei
sem ar. Novamente me deparei com a imagem de Júnior decapitado.
A vida saiu de controle.
Ponho meio corpo fora da janela, puxando o
mormaço para dentro dos pulmões. São compactados pela atmosfera, enquanto o
tórax entra em combustão.
Há anjos desenhados no playground. O céu é lá.
Encontrarei minha mulher, meu filho. Hora de voar. Não me preocuparei mais com
os invejosos.
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor
Este conto foi publicado no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em cinco de janeiro de 2019. Já o havia postado antes aqui no blog, há quase uma década, e também em outro blog meu, uma semana após sua publicação original, em 29 de março de 2006, no extinto jornal Papo Arte, da Instituto Cultural Cia Bella de Artes (à época conhecido apenas como Cia Bella de Artes), também de Poços de Caldas. Esta versão é diferente em relação às publicações anteriores, pois acrescentei alguns detalhes, e consertei um erro de digitação constrangedor ("lancha-chamas", em vez de lança-chamas) que deixei passar em todas as publicações anteriores, inclusive na que saiu neste ano no Jornal da Cidade.
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