Friday, February 07, 2020

Kindred: Laços de Sangue, de Octavia E. Butler, é um livro fascinante (resenha que fiz para o Good Reads)

Kindred: Laços de sangueKindred: Laços de sangue by Octavia E. Butler
My rating: 5 of 5 stars

Minha primeira leitura de 2020 foi desta escritora de ficção científica da qual nunca tinha ouvido falar até o ano passado. Fiquei fascinado e comprei o livro em abril de 2019, assim que descobri a existência dela. Só li em janeiro de 2020 pois é uma obra de fôlego, bastante extensa, que exige dias menos atribulados para ser devidamente apreciada, ao menos no meu entender. Agora estou muito curioso para ler outras obras da autora, pois a questão da indexação é muito interessante para mim. A única relação com FC neste livro é a viagem no tempo, no meu entender. No entanto, ela não tem uma explicação científica ou racional, o que aproxima a obra muito mais da fantasia. Creio que é categorizado como ficção científica porque a Octavia Butler assim o quis - e se for o caso, acho que ela está mais do que certa. Suas outras obras, pelo pouco que li, parecem ser mais de FC propriamente dita. De qualquer forma, é um livro fascinante. Quando comentei com amigos que estava lendo-o e perguntaram sobre o que era, um deles, o Tiago Barreiro, me contou que o Chris Rock já tinha feito uma piada sobre isso: viagem no tempo é coisa de branco, quem é negro jamais vai querer construir uma máquina que faça isso, pois é arriscado demais voltar ao passado. Kindred: Laços de Sangue é exatamente sobre isso. E com certeza é por isso que a protagonista, Dana, não tem controle sobre suas idas ao passado. Elas simplesmente acontecem, contra sua vontade. Sendo uma mulher negra, Butler escolheu escrever sobre uma mulher negra contemporânea (no caso, dos anos setenta: Dana e o marido Kevin Franklin vivem em 1976; o livro foi lançado originalmente em 1979) que é lançada aos tempos da escravidão num estado sulista, Maryland, antes da Guerra da Secessão. A tensão da trama se estabelece justamente porque Dana, ao guardar uma bíblia que está com a família há gerações, sabe que pouco ou nada pode fazer para impedir as situações de abuso que presencia, pois é jogada a um passado no qual reconhece os nomes de seus antepassados. Ao contrário, precisa protegê-los, mesmo quando agem de forma vil. E eles são justamente o filho de um senhor de escravos e uma escrava. Daí o título do livro. Os pequenos defeitos da trama e da escrita - respectivamente o fato de que são situações de violência que a fazem a voltar para presente e no entanto ela passa a literalmente senti-las na pele sem retornar e o uso frequente da expressão "franzir a testa" (seria isso um maneirismo da tradução?) - são totalmente recompensados pela força avassaladora da narração. E esta força está justamente no fato de que Dana, apesar de tudo, tenta impedir os abusos escravocratas. Por isso, sofrerá castigos inimagináveis para ela, uma mulher livre vivendo na Califórnia do século vinte e que perde progressivamente o direito ao próprio corpo. As descrições das torturas físicas e psicológicas que ela e os demais escravos sofriam transportam o leitor para o passado tanto quanto a protagonista; são muito vívidas. E revoltantes. É envolvente ao ponto de se ficar indignado, mesmo que hoje saibamos sobre todas as infâmias da escravidão. Particularmente, tive que que interromper a leitura diversas vezes, pois era intenso demais e me causava profunda consternação. Não bastasse isto, a autora também adianta, já àquela época, questões hoje prementes, como a tensão de relações inter-raciais na contemporaneidade e não só num passado distante em que elas resumiam-se, basicamente, a estupro e posse.


View all my reviews

No comments: