Todos
com quem preciso conversar não foram trabalhar. Estão metendo, cochilando,
bebendo e dando baixaria, queimando as carnes brancas no mormaço, jogando
frescobol, cheirando, vendo mulher pelada na televisão, vendo revista de homem
pelado no banheiro, baixando filmes pornôs, brochando em suítes caras de motéis
vagabundos para no máximo ganhar uma chupada, discutindo com os pais velhinhos
para depois jantar com eles, ralhando com os filhos e levando-os para tomar
sorvete, nadando em piscinas com 37% de mijo, pulando ondas de coliformes
fecais enquanto tomam água de coco, andando de bicicleta na chuva, sendo presas
por desacato à autoridade, dançando nus em frente ao espelho, lendo Stephen
King, ouvindo jazz na praça, comendo pipoca na fila do cinema, socando a fuça
do adversário no xadrez, jogando RPG com os primos bestas, passeando com três
vira-latas em forma de Cérbero, jogando confete nas novinhas, beijando as
travestis, tomando facada no bar, enrolando prostitutas com serpentina e
chacoalhando-se atrás do trio elétrico. Tem quem esteja trancado no quarto,
ouvindo Bauhaus, sendo tão feliz quanto os outros. Só alegria, o bordão surgido
sabe-se lá onde me incomoda pra caralho.
Não
é tristeza. Estou exasperado, pensando, impotente, cumprindo tabela, esperando
que amanhã não perca o dia inteiro dormindo pra compensar a insônia que não
posso descontar agora. O picareta do chefão veio dar exemplo. Trabalhou duas
horas e foi embora rangar e fazer a sesta. Enquanto mofamos na firma, inúteis,
por mero capricho e pão-durismo.
Daniel Souza Luz é professor, escritor, jornalista
e revisor
Este conto foi publicado em 22 de fevereiro de 2020 na página oito da edição 7222 do Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG). É uma versão levemente ampliada e reescrita, evitando um termo preconceituoso que usei outrora, de um conto de mesmo nome, que publiquei aqui no blog em três de maio de 2007.
Este conto foi publicado em 22 de fevereiro de 2020 na página oito da edição 7222 do Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG). É uma versão levemente ampliada e reescrita, evitando um termo preconceituoso que usei outrora, de um conto de mesmo nome, que publiquei aqui no blog em três de maio de 2007.
Carnaval em Mérida, no México, 08/03/2011. Foto de Theodor Hensolt, via Creative Commons. A original pode ser encontrada aqui e a página dele no Flickr é Theodor Hensolt, Street Fotographer (Fotógrafo de Rua). |
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