Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 24 de abril de 2021. O texto foi revisado pela Juliana Gandra.
O
subtítulo desta obra biográfica é muito feliz. Trata-se, de fato, de um livro
que foge um pouco do que seria uma biografia convencional. Chico Lopes é a pessoa
talhada para escrever um livro sobre Bruno Filisberti, sendo um escritor que
atuou na imprensa por anos e tendo conhecimento de causa para falar sobre artes
plásticas, pois também é pintor.
O
livro foi lançado em dezembro de 2019 (o copirraite, no entanto, indica que foi
pesquisado e escrito em 2018); estive presente no lançamento e adquirir um
exemplar. No entanto, não o li à época, ainda devastado que estava pela morte
de meu pai, falecido naquele mês. Agora pareceu-me o momento adequado, um bom
preparo antes de mergulhar no caudaloso (336 páginas) novo romance do autor, A
Ponte no Nevoeiro.
Além
disso, passado tanto tempo do lançamento, é sempre importante relembrar aos
possíveis interessados que a versão digital deste livro sobre um importante
artista da cidade está disponibilizada gratuitamente na internet pela empresa
que o patrocinou, basta pesquisar pelo título.
Os
problemas das biografias, que não se resumem às questões jurídicas que rendem
acalorados debates sobre censura, em especial no Brasil, interessam-me
sobretudo desde que estudei especificamente o tema na minha pós-graduação em
Jornalismo Literário. É quase inevitável que sempre estejam sob fogo cerrado.
Escritas por jornalistas ou outros profissionais das letras, são questionadas
em sua metodologia por historiadores. Segundo um dos meus professores, lembro-me
bem disso, estima-se que cerca de dez por cento das suas narrativas seriam
elaborações ficcionais. Como exemplo, usou um trecho do excelente Olga, de
Fernando Morais, em que se conta como os guardas nazistas tomaram a filha
recém-nascida, Anita Leocádia, dos braços da militante comunista. Consta que
Morais localizou um dos presentes, já muito idoso, para reconstituir a cena.
Memória falha ou não, é um relato primário de uma testemunha ocular, foi o que
observei. Meu professor e futuro orientador, Alex Criado, explicou então que o
método científico da História exige que se diga explicitamente que se trata da
versão de uma única testemunha, coletada em tal data, em tal local, o que
burocratiza, por assim dizer, a narrativa.
Por
que trago tudo isso a lume? A biografia de Felisberti escrita por Chico contorna
essas questões usando o mesmo expediente que acabei de usar: teorizando a
respeito do assunto. Há vários trechos que são quase pequenos ensaios do
biógrafo a respeito da Arte, sua aceitação, a dificuldade do artista em lidar
com uma sociedade que exige um pragmatismo que, via de regra, é castrador. Questões
que, sem dúvida, com certeza também afligiam o biografado. E, provavelmente
fruto da experiência do autor como jornalista, não há exatamente uma narrativa
cronológica sobre as ações de Felisberti, mas sim entrevistas entre aspas com
amigos, conhecidos, estudiosos e admiradores do artista – só não há a data
delas, mas há explicações sobre as circunstâncias como foram conseguidas. O que
atende em parte às exigências de historiadores. Não que devam obrigatoriamente
ser atendidas, mas é um método interessante. Isso leva, como diz o subtítulo, a
pequenas crônicas sobre como o artista procedia e pensava. Cita-se ipsis litteris,
inclusive, crônicas escritas pelo grande nome das letras de Poços de Caldas,
Jurandir Ferreira, que foi muito próximo de Felisberti. E quem conhecemos é apenas
o artista.
Um
homem extremamente reservado, ele logrou manter-se uma incógnita. Seus amores,
seus ódios, todas as paixões que nos tornam humanos, não estão de fato
presentes. Infenso ao abstracionismo nas artes plásticas, paradoxalmente tornou-se
um ser hermético. Ao biógrafo restou conjecturar, evitando corretamente as
armadilhas dos psicologismos, o que inclusive explica ao citar reducionismos
freudianos, para traçar um bom perfil.
Daniel Souza Luz
é jornalista, revisor, escritor e professor
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