Tuesday, June 08, 2021

Bruno Felisberti: Crônicas da Vida do Mestre dos Pintores de Poços de Caldas, de Chico Lopes

 Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 24 de abril de 2021. O texto foi revisado pela Juliana Gandra. 

O subtítulo desta obra biográfica é muito feliz. Trata-se, de fato, de um livro que foge um pouco do que seria uma biografia convencional. Chico Lopes é a pessoa talhada para escrever um livro sobre Bruno Filisberti, sendo um escritor que atuou na imprensa por anos e tendo conhecimento de causa para falar sobre artes plásticas, pois também é pintor.

O livro foi lançado em dezembro de 2019 (o copirraite, no entanto, indica que foi pesquisado e escrito em 2018); estive presente no lançamento e adquirir um exemplar. No entanto, não o li à época, ainda devastado que estava pela morte de meu pai, falecido naquele mês. Agora pareceu-me o momento adequado, um bom preparo antes de mergulhar no caudaloso (336 páginas) novo romance do autor, A Ponte no Nevoeiro.

Além disso, passado tanto tempo do lançamento, é sempre importante relembrar aos possíveis interessados que a versão digital deste livro sobre um importante artista da cidade está disponibilizada gratuitamente na internet pela empresa que o patrocinou, basta pesquisar pelo título.

Os problemas das biografias, que não se resumem às questões jurídicas que rendem acalorados debates sobre censura, em especial no Brasil, interessam-me sobretudo desde que estudei especificamente o tema na minha pós-graduação em Jornalismo Literário. É quase inevitável que sempre estejam sob fogo cerrado. Escritas por jornalistas ou outros profissionais das letras, são questionadas em sua metodologia por historiadores. Segundo um dos meus professores, lembro-me bem disso, estima-se que cerca de dez por cento das suas narrativas seriam elaborações ficcionais. Como exemplo, usou um trecho do excelente Olga, de Fernando Morais, em que se conta como os guardas nazistas tomaram a filha recém-nascida, Anita Leocádia, dos braços da militante comunista. Consta que Morais localizou um dos presentes, já muito idoso, para reconstituir a cena. Memória falha ou não, é um relato primário de uma testemunha ocular, foi o que observei. Meu professor e futuro orientador, Alex Criado, explicou então que o método científico da História exige que se diga explicitamente que se trata da versão de uma única testemunha, coletada em tal data, em tal local, o que burocratiza, por assim dizer, a narrativa.

Por que trago tudo isso a lume? A biografia de Felisberti escrita por Chico contorna essas questões usando o mesmo expediente que acabei de usar: teorizando a respeito do assunto. Há vários trechos que são quase pequenos ensaios do biógrafo a respeito da Arte, sua aceitação, a dificuldade do artista em lidar com uma sociedade que exige um pragmatismo que, via de regra, é castrador. Questões que, sem dúvida, com certeza também afligiam o biografado. E, provavelmente fruto da experiência do autor como jornalista, não há exatamente uma narrativa cronológica sobre as ações de Felisberti, mas sim entrevistas entre aspas com amigos, conhecidos, estudiosos e admiradores do artista – só não há a data delas, mas há explicações sobre as circunstâncias como foram conseguidas. O que atende em parte às exigências de historiadores. Não que devam obrigatoriamente ser atendidas, mas é um método interessante. Isso leva, como diz o subtítulo, a pequenas crônicas sobre como o artista procedia e pensava. Cita-se ipsis litteris, inclusive, crônicas escritas pelo grande nome das letras de Poços de Caldas, Jurandir Ferreira, que foi muito próximo de Felisberti. E quem conhecemos é apenas o artista.

Um homem extremamente reservado, ele logrou manter-se uma incógnita. Seus amores, seus ódios, todas as paixões que nos tornam humanos, não estão de fato presentes. Infenso ao abstracionismo nas artes plásticas, paradoxalmente tornou-se um ser hermético. Ao biógrafo restou conjecturar, evitando corretamente as armadilhas dos psicologismos, o que inclusive explica ao citar reducionismos freudianos, para traçar um bom perfil.  

Daniel Souza Luz é jornalista, revisor, escritor e professor




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