Esta resenha foi publicada na página oito do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 22 de maio de 2021. Foi publicada originalmente no Good Reads em outubro de 2019; a reescrevi e a adaptei para a publicação no jornal. O texto foi revisado pela Juliana Gandra.
No ano passado comemorou-se o centenário de Paul Celan, um dos poetas
mais celebrados pela crítica no século passado. Apesar disso, ele permanece
pouco editado no Brasil. A Editora 34 recém-lançou A Rosa de Ninguém, uma de
suas obras mais importantes, originalmente publicada em 1963. Enquanto não
ponho as mãos nele, relerei e me deleitarei novamente com a coletânea Cristal,
publicada pela Iluminuras em 1999. Não sei de mais nenhuma outra obra dele lançada
aqui. Este livro é um portento. Nem sei se deveria dizer muito mais a respeito,
ainda mais sendo (quase forçosamente) neófito na poesia de Paul Celan. Foi
indicação e empréstimo do meu ex-aluno e amigo Jorge Benedito de Freitas, que
estudou Celan no doutorado. Esta coletânea compila poemas de todos os livros
reconhecidos pelo autor; a seleção foi da tradutora, Claudia Cavalcanti. Li, ao
longo de quase dois meses, um poema por dia. Por fim, depois de passado um bom
tempo, li um discurso que Celan proferiu na entrega de um prêmio literário, que
na verdade é um ensaio complexo sobre o fazer poético e logo vi que sua
erudição demandava muita concentração - separei uma tarde de domingo em que
pude lê-lo atentamente. Recordo-me que pedi para meu irmão cuidar do meu pai,
então com câncer, para que eu tivesse uma folga por algumas horas e mergulhasse
no raciocínio complexo do autor. Nos textos de apresentação de Cavalcanti e
Márcio Seligmann-Silva aprendi que Celan era judeu, nasceu na Romênia, passou a
maior parte da vida na França e mesmo assim considerava-se um escritor alemão,
língua na qual escrevia. Até o Jorge me emprestar o livro, jamais tinha ouvido
falar nele. O tema do Holocausto, do 20 de janeiro de 1942 citado na orelha e
no discurso, pareceu-me ser aludido apenas em algumas poesias no início. Com o
passar dos anos, noto que ele tornou-se cada vez mais conciso. Suas obras
finais, as que não tiveram muita atenção do público e crítica, foram as que
mais gostei. Ele torna-se simultaneamente mais explícito, como em Uma Folha,
Desarvorada, que é dedicado a Bertolt Brecht, e ao mesmo tempo mais enigmático
– na verdade, extremamente hermético. Os dois últimos poemas, póstumos,
fascinam-me em particular; para mim tangenciam a FC, o que é inaudito, creio.
No apêndice, o discurso menciona a questão do diálogo do poeta com o Outro
(inclusive Celan destaca que este encontro se dá em outros tempos, pelo que
entendi), o "tu" ("Du") que meu amigo Jorge tantas vezes
marcou nos textos originais - a edição é bilíngue - e que a tradutora optou por
tornar sujeito oculto. Isto me chamou muito a atenção. Parece-me que alguns
poemas ganham outro sentido, que Celan não está falando (somente) com sua musa:
"Foste minha morte/Pude deter-te/enquanto tudo me escapava". Ele
estava falando de viver em você, leitor, por mais algum tempo, não? Não sei.
Mas talvez - talvez - seja isto a majestade do absurdo que testemunha a tênue
presença humana da qual ele fala.
Daniel Souza Luz é jornalista,
escritor, educador e revisor
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