Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 21 de agosto de 2021. Já havia publicado uma versão preliminar no Good Reads cinco dias antes, a qual reescrevi para adaptá-la ao jornal, também ampliando-a.
Conforme
prometi na minha mais recente crônica para o Jornal da Cidade, aqui está a
resenha de um livro do Philip Roth. Era para ser outro, mais recente, mas não
faz mal. Haverá outra oportunidade. Indignação é uma obra excepcional. Roth é
mesmo um mestre da narrativa. Em certos momentos ele ilude o leitor, parece que
incorre na literatura fantástica, mas nada disso; Roth era um cético, com os
dois pés firmes no chão, e tudo fica muito bem explicado e amarrado. E estava tudo
na cara, mas ele habilmente me deixou perplexo, imaginando experimentalismos e
implicações cósmicas. Já deveria saber de antemão que não era nada disso. E
esse é só um dos inúmeros pontos fortes do livro. Se você não gosta de spoilers
e ainda não leu esse obra-prima, pare de ler por aqui. O narrador, Marcus
Messner, é um jovem ateu de origem judaica (o que me faz supor que o romance
seja em parte autobiográfico, como boa parte da obra dele) que desiste de
estudar na faculdade local para escapar à opressão paterna, que até um pouco
antes de sua entrada na universidade não existia ou era muito tênue. Messner,
aliás, é de Newark, cidade natal de Roth em Nova Jérsei. Ele então parte para
outra, muito conservadora e numa cidade interiorana do reacionário Meio-Oeste
dos EUA. É claro que nada de bom virá daí e suas relações com um colega de
quarto homossexual e libertino, com outro obtuso e provinciano, com uma
"peguete" chamada Olivia Hutton, com colegas das famosas
fraternidades daquele país e principalmente com uma espécie de bedel moral da
faculdade serão permeadas de tensão. Fascina-me em especial a discussão com
este último, chamado Cauldwell, no qual Marcus cita o ensaio Por Que Não Sou
Cristão, de Bertrand Russell, esgrimindo argumentos impecáveis e sendo
retorquido por uma retórica medíocre, eivada de macartismo. Roth mostra
brilhantemente como um jovem inexperiente pode ser inteligentíssimo, mas também
pode ser tolhido pela inexperiência e pelo uso abusivo de micropoderes por
parte de adultos tóxicos e invasivos. Chama a atenção, comparativamente, a
crescente paranoia do pai de Marcus, que em parte lembra as neuroses de
Portnoy, que não tinha uma relação sadia com os pais em O Complexo de Portnoy,
outra das obras-primas do Roth. Marcus, pelo contrário, tinha uma boa relação e
é trabalhador, estudioso e principalmente compenetrado, tendo em mente que
precisava se destacar nos estudos para não ser alistado e mandado para a morte
certa na cruenta Guerra da Coreia. O encadeamento de escolhas impensadas,
imaturidade, reacionarismo e eventos fortuitos resultam em tragédia e na perda
irreparável de cérebros - não só de Marcus, como o de Olivia, provavelmente. A
final nota amarga é que Roth não deixa de observar que isso deve-se muito ao zeitgeist:
a trama se passa nos anos 1950 e na libertária década seguinte espíritos
arrojados e brilhantes como os de Marcus e Olivia não serão destruídos por
sujeitos obtusos como Cauldwell, que perdem a importância e o poder mesmo numa
instituição ultraconservadora, mas sim se destacarão na geração flower power
que demoliria tabus sexuais e comportamentais.
Daniel
Souza Luz é revisor, professor, escritor e jornalista