Esta crônica foi publicada em 28 de agosto de 2021 na página nove do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG). É uma versão ampliada e reescrita da minha Micrônica 1998, de 27 de outubro de 2017, sobre meus bons tempos dos anos noventa, a qual eu mesmo revisei mais uma vez agora, pois encontrei vários errinhos após a publicação no jornal.
Adorava os shows no Pau-Brasil,
bar de Bauru que era na verdade um sobradinho adaptado, na última década do
século passado. Embaixo ficava o balcão e subindo as escadas ficava um pequeno “palco”
num cômodo. Na verdade, não havia palco algum, era só o espaço ao lado da
escada que fazia as vezes de um palquinho. Tinha gente que se equilibrava entre
a parede e aquela espécie de mezzanino, então pra começar às vezes passava por
baixo daquele bando de homens e mulheres-aranhas ao chegar para os shows. Bauru
é quente como um fogão em funcionamento e aquele salãozinho era uma panela de
pressão. Durante o mosh, com umas oitenta ou mais pessoas onde deveriam caber
umas cinquenta, as paredes literalmente suavam. Bem, talvez eu esteja
exagerando quanto ao número de presentes, afinal eram shows underground; vai
ver eram apenas quarenta pessoas onde cabiam apenas vinte. Mas não estou exagerando
quanto ao suor. Formavam-se gotículas no teto e quando elas caiam o chão
enlameava-se com os tênis e coturnos sujos. Ficava super escorregadio para o
pogo. Com certeza algum espírito de porco também derrubava cerveja, o que
não ajudava em nada. De qualquer forma, punk rock sempre foi uma aventura
solidária. Se você caía, alguém logo te ajudava a levantar. Mas nada de
edulcorar o passado. A briga mais sanguinária que já testemunhei em show foi
lá, em 1997, quando o Autoboneco, heróis locais e até hoje na ativa, estava
tocando. Mas um ano depois era meio diferente e esta história de 97 já contei
numa outra crônica chamada Como Sobreviver a uma Briga num Show de Punk Rock. Em
1998 vi o cara, na verdade um gorila, que provocou a treta de um ano antes, o
Boy, tentar encoxar uma amiga, a Marília, durante o mosh. Ela, muito menor, deu
um soco na fuça do babaca que ele até perdeu o rumo. Era o tempo das riot
grrrls. No meio do hardcore se discutia muito sobre as letras do Dominatrix,
banda que fazia do feminismo sua bandeira. Felizmente, isso não é mais restrito
ao meio underground ou acadêmico. Pena que ainda haja muitos trogloditas por aí,
talvez até mais. De qualquer forma, conversando recentemente com a Marília,
rememorando esses episódios, ela me disse que se compadece do Boy, que
provavelmente ele era um rejeitado até mesmo num meio inclusivo. De fato, ele não
reagiu, assim como resolveu apanhar quieto um ano antes, depois de começar a
briga. Alguém imagina um “cidadão de bem” tendo essa dignidade, ainda que meio torta,
em 2021? Eu não.
Daniel Souza Luz é jornalista,
revisor, professor e escritor
Foto que tirei do Dominatrix na Virada Cultural de São Paulo/SP, 18/05/2014. Infelizmente não fotografei o show delas que vi nos anos noventa.
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