Wednesday, September 15, 2021

O dia em que eu tretaria com o Brizola

 Esta crônica foi publicada na página 9 da edição 7549 do Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 11 de setembro de 2021. Eu a escrevi à queima roupa pouco antes do horário do fechamento do jornal e não passou por revisão, a não ser por mim mesmo agora, para publicação no blog. Fiz pequeníssimas modificações; a principal foi desmembrar a última frase. 

Já escrevi uma crônica sobre as eleições de 1989: para mim foram divertidíssimas. Eu sei que teve baixaria até que parecida com as de hoje, como a vergonhosa edição que a Globo fez do debate entre Lula e Collor, abordada no documentário Além do Cidadão Kane. Outra história famosa é a do sequestro do empresário Abílio Diniz por um grupo de extrema-esquerda do Chile, o MIR: quando a polícia encontrou o cativeiro e prendeu os sequestradores, os apresentou com camisetas do PT, as quais teriam sido plantadas. Enfim, era jogo sujo sem meios virtuais. Mas tudo isso estava fora do meu radar, eu era novo demais. Mesmo assim, acompanhei as eleições com relativa atenção. Apesar de ainda existir a União Soviética, esses papinhos furados de fantasma do comunismo me pareciam bem insignificantes. O ambiente era muito mais de alegria, devido à redemocratização; não era algo tão conflagrado quanto agora. Eram muitos candidatos à presidência e os debates eram muito engraçados. Eu levei na galhofa, apesar de saber da seriedade e da importância. No meu anarquismo pueril, eu queria mais era zoar todos os candidatos. O que efetivamente fiz, mas isso já contei na crônica que mencionei na primeira frase, chamada República Selvagem, publicada neste Jornal da Cidade anos atrás. Nela, conto que Brizola almoçaria na minha casa durante a campanha. Meu pai era filiado ao PDT e brizolista roxo. No entanto, minha mãe vetou a ideia, pois o apartamento em que morávamos era muito acanhado. Era num predinho do BNH, o Minha Casa, Minha Vida dos tempos da ditadura. Ela achou que não ia dar certo um monte de correligionários dele e mais equipes de TV lá. E ela estava certa, não caberia. Como já disse, achei uma pena, pois seria divertido vê-lo xingar o Collor dentro da minha casa. Mas, pensando bem, acho que acabaríamos discutindo. Sei que o Brizola foi um sujeito muito corajoso, teve vários méritos, impediu um golpe de estado em 1961. Posso até admirar isso, mas eu já o achava um populista. O jeito dele falar me irritava e os seus imitadores daqui mais ainda – meu pai não imitava o jeito dele falar, ao menos ele tinha personalidade própria. Imagina se ele entra no meu quarto e vê pôster de skate e videogame. É certeza que iríamos bater boca. Consigo visualizar ele criticando tudo, dizendo que são coisas da “juventude americana” ou algo assim. E eu retorquiria dizendo que ele era um velho gagá. E se ele visse alguma Playboy lá? Acho que teria uma síncope. Consta que ele quis ou conseguiu impedir uma parente (Neusinha Brizola, salvo engano) de posar para a revista. Acho não tínhamos mais armas de brinquedo àquela altura, mas não tenho certeza. Era capaz dele pegar e jogar no lixo. Hoje eu acho que ele está certíssimo, mas é óbvio que eu não ia engolir isso. Não, estou exagerando; ele ia criticar tudo, mas não ia dar uma dessas. Mas deveria, no final das contas seria uma ótima memória. Pena que não aconteceu essa nossa briga. Grande Brizola.

Daniel Souza Luz é jornalista, revisor, professor e escritor


Leonel Brizola pula fogueira de armas de brinquedo, que foram trocadas por livros, em 1982, no Rio de Janeiro. A foto é de Aguinaldo Ramos e não está em domínio público, mas pela leitura desse texto no blog dele suponho que ele não se importa pelo uso não comercial dela. Recomendo muito a leitura deste texto dele contando os bastidores da ocasião em que ele tirou a famosa foto. 


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