Este conto foi escrito em 20 de janeiro de 2014. Revisei-o na véspera, sem alterar nada da história, para publicação no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 18 de setembro de 2021. O conto mostra o destino de um dos personagens do meu primeiro livro/plaquete, No entanto, o reescreverei radicalmente para o meu segundo livro/plaquete.
Ecsel mira o morro que se
descortina a uns quinhentos metros, quando o mormaço dos exaustores da usina
eólica dissipa o sinomog abrupta e brevemente. Ecsel mira celeremente. A
ex-esposa do Gerente municipal estava passeando com o pug de estimação na rua
central do condomínio, tal como lhe foi minuciosamente informado pelo mandante.
O silenciador da metralhadora de precisão funciona a contento. A mulher tomba
com o rosto irremediavelmente desfigurado. O pug está ileso, conforme foi
expressamente encomendado. Com o focinho alongado cirurgicamente com o dinheiro
do mandante, Gonzo bate num poste ao correr e olhar para trás ao mesmo tempo,
vítima de sua falta de noção espacial devido à intervenção do veterinário na
face. O mandante, observando do escritório pela cam do seu drone, tem um esgar
de arrependimento, preocupado com Gonzo, que provavelmente fraturou o excerto
ósseo.
Ecsel desmonta rapidamente a
metranca, enfia-a na barriga falsa coberta pelo vestido, abre a porta da casa
de serviço do telhado da clínica de fertilização transgênica, desce e sai
incógnito, confundindo-se com os demais grávidos.
Nas ruas esvaziadas, no
entanto, Ecsel aperta o passo. Os ataques dos neoavivamentistas contra os transgêneros
ou os hippocampistas tornaram-se frequentes até mesmo em cidades com meros
duzentos mil habitantes. Pelejando há dois anos para sair de uma cidade
pequena, Ecsel adotou a estratégia de receber apenas em avatar para evitar ser
rastreado. Em dois meses fará 14 anos e atingirá a maioridade penal, mas mesmo
assim quer evitar qualquer estigma. É um perfeccionista e não pretende cumprir
qualquer medida socioeducativa. Já é a 17ª encomenda e, pelas suas contas,
conseguirá converter os avatares em uma soma razoável de créditos reais, mesmo
perdendo no paralelo; o suficiente para financiar um quarto com banheiro em
Manaus e toda a faculdade de engenharia de impressão. Sem que os pais
desconfiem de que é o matador de aluguel que mais assombra a concessionária de
segurança pública, pois ambos creem que Ecsel ganha tudo monitorando fluxos de
opinião para as campanhas eleitorais do avô, o Supervisor distrital. Basta ser
discreto. Enquanto minhocava essas questões na cabeça, para seu desgosto, a
circunstância estragou a discrição. Dois quarteirões adiante topa com Hugo, um
colega de sala do Ciclo Básico. Pensa que talvez terá de eliminar Hugo e o
cumprimenta com um sorriso contrito.
- Oxe, seu nome é Êcsel, né?
- Não, se pronuncia Écsel.
- Que diferente, de onde que
veio esse nome?
- É de um cantor de uma banda
da qual minha mãe gostava. – Ecsel estava pensando em atirar à queima-roupa
mesmo, já tendo acionado o disruptor remoto das câmeras de segurança daquelas
ruas antes de sair da clínica.
- Nunca ouvi falar.
- É coisa de velho.
O taser de Hugo estava
regulado para infarto fulminante e fez dessas as últimas palavras de Ecsel. Ele
achou que Ecsel havia comprado um bebê semipronto. Não o questionou, nem se
questionou, só viu mais um negacionista dos cisgêneros – é assim que os
neoavivamentistas os denominam. Tornou-se inconscientemente o assassino mais
prolífico da cidade. Sem pensar em reconhecimento argentário, almejando apenas
a benção de seu pastor.
Daniel
Souza Luz é jornalista, professor, revisor e escritor
Meu primeiro livro/plaquete, lançado em 2019. A capa foi ilustrada pela Juliana Melo. |
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