Este artigo foi publicado na página nove do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 12 de fevereiro de 2022. Não passou por revisão; se necessário, depois faço correções.
Luis
Fernando Verissimo é um dos mais populares escritores brasileiros. Isso pode
ser inclusive medido pelas falsas citações que são atribuídas a ele na
internet, embora isso tenha sido mais comum na época das correntes de e-mail,
antes das redes sociais. Ainda que o leitor apaixonado pela literatura seja
imune a modismos literários (ou talvez acredite ser), é bem óbvio há modinhas
na área que atraem leitores eventuais. Autores entram e saem de voga. Ainda que
eu entenda que a melhor produção de Verissimo seja agora, com ele já
octogenário, pois suas crônicas no Estadão são impecáveis, parece-me bastante
óbvio que ele não tem mais o alcance de antes e a atual geração Z, em geral,
não o conhece. No começo do ano resolvi pegar seu famoso O Analista de Bagé na
biblioteca da Caldense. Adoro o Verissimo, mas este livro envelheceu mal. Jamais
gostei do Analista de Bagé e nem das HQs baseadas no personagem (agora não me
lembro se eram feitas pelo Miguel Paiva ou pelo Edgar Vasques), mas relendo até
gostei de uma ou outra história com ele. O problema é que tinha a imagem do
Verissimo como um humorista refinado, mas parte das crônicas que não são
baseadas no personagem-título têm o mesmo espírito das do Analista, ou seja,
parecem esquetes, sei lá, dos Trapalhões: são sem graça quando observadas com o
olhar de hoje e cheias da misoginia e outros preconceitos que eram
naturalizados naquela época. Fosse hoje Verissimo um jovem escritor, como o foi
nos anos 1970, quando escreveu parte dos textos compilados no livro, ele já
estaria canceladíssimo. Justo ele, velho nome da esquerda que pôs muito a cara
para bater no cenário político nacional. Se redescoberto pelas novas gerações Z
e alpha, vai levar muita porrada, mesmo que póstumas. Levar ou não em
consideração o contexto e o fato que humanos são falhos é algo muito subjetivo,
mas é fato que sua popularidade derreteria imediatamente caso subitamente
alcançasse outro auge novamente. O livro em si tem também ótimas crônicas, como
eu esperava, e algumas levaram-me às gargalhadas, como a segunda parte da
Histórias de Bichos (o segmento do papagaio filósofo). Também tem uma boa
história que não é uma crônica humorística: Posto 5, que está mais para um
conto bastante melancólico. É curioso demais notar as ondas de popularidade do
autor: o livro é de 1982 e foi um enorme sucesso, com sucessivas reedições;
peguei numa biblioteca e na ficha está marcado que ele foi emprestado com
alguma frequência entre 2005 e 2008, época em que o Verissimo teve outro pico
de popularidade e foi até capa da Veja. Depois há um hiato de 14 anos no qual
ele ficou esquecido, até eu pegá-lo no começo de 2022. Carlos Heitor Cony dizia
que o Verissimo (o filho, claro; o pai, Erico, jamais deixará de ser
prestigiado por literatos) tenderia a ficar esquecido, a despeito das ondas de
sucesso, pois se concentrava em crônicas que tendiam a ficar datadas. Em parte,
talvez ele esteja certo, mas há várias aqui que também resistiram e
provavelmente resistirão ao implacável teste dos tempos. Quem também estava
parcialmente errado a respeito de Verissimo é... o próprio Verissimo.
Recordo-me de uma entrevista em que disse que o humor dele provoca no máximo um
sorrisinho, jamais as risadas como as proporcionadas por humoristas
televisivos. Ledo engano; inúmeras são hilárias.
Daniel Souza Luz é jornalista, escritor,
revisor e professor
O dia no qual peguei um autógrafo do Luis Fernando Verissimo. A foto foi gentilmente tirada pela Flávia Fonseca na Feira do Livro de Poços de Caldas, em 2009. |
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