Esta resenha foi publicada na página 10 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 26 de março de 2022. O texto foi revisado pela Juliana Gandra.
Este
livro é destinado para adolescentes, mas deveria ser lido por adultos. Veio
como acompanhamento do romance O Parque das Irmãs Magníficas, escrito pela
argentina Camila Sosa Villada, uma mulher trans, distribuído neste mês pelo
clube de livros TAG. Provavelmente, por isso, vai acabar sendo mais lido por
adultos mesmo, que talvez os repassem para leitores mais jovens, seu
público-alvo. O ideal seria é que esses passassem para seus pais: minha
geração, agora se aproximando dos cinquenta anos ou com um pouco mais do que
isso, permanece agressivamente homofóbica e transfóbica – como eu também fui na
juventude. Em geral, usam a desculpa clichê do “mimimi” e justificam seus
preconceitos abjetos dizendo que aceitam ser alvos de piadas por serem loiras
ou baixinhos como se essas características lhe trouxessem dificuldades de
sobrevivência. É patético, no mínimo, e quem sabe a leitura de uma obra como
essa lhes trouxesse ao menos alguma empatia e menos ignorância. É um painel
limitado, como a autora reconhece, mas, mesmo assim, trouxe surpresas até mesmo
para ela e o organizador, Richarlls Martins, o que dirá então para mim. Não
apenas por trazer figuras menos conhecidas, como a transformista Gisberta e a
rapper Katú Mirim, mas por falar sobre a sexualidade de pessoas muito
conhecidas e que eu não fazia a menor ideia de que tinham saído do armário,
caso do ator Marco Nanini e da jornalista Leilane Neubarth (ou seja, nem todos
os perfilados são artistas). Ótimo sinal, aliás: significa que a mídia em geral
não faz mais escândalos com o assunto, a exemplo das sensacionalistas e
medíocres revistas de fofoca que eu folheava quando era criança e nas quais
alguém era sempre acusado (não há outro termo para aquilo) de ser gay. Uma
revelação impressionante que o livro traz, ao menos para mim, é que João do Rio
era homossexual e negro. Já tendo devorado um livro dele, visto uma peça
escrita por ele e lido inúmeros artigos a respeito do famoso autor carioca,
fico impressionado como esses dois dados sempre foram omitidos. Grave sinal de
como os apagamentos ainda vicejam por aí. Por essas e outras que este livro é
muito bem-vindo às estantes de leitores de qualquer idade, sendo uma leitura
ágil, com muita informação bem pesquisada e atraente para todos os públicos: há
artigos desde divas pop como Pablo Vittar e Ludmilla, passando por intelectuais
ativistas como Luiz Mott e João Silvério Trevisan, até João W. Nery, o primeiro
homem trans do Brasil, também escritor. Ou seja, é uma obra que cumpre
exemplarmente seus objetivos e até os ultrapassa.
Daniel Souza Luz é escritor, professor,
jornalista e revisor