Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 12 de março de 2022. É uma versão reescrita da crítica que escrevi originalmente no Good Reads em 2019; vali-me dela para lembrar que neste ano será comemorado o centenário de nascimento de Saramago. Eu mesmo revisei o texto, ou seja, talvez algum dia ele precise que outra pessoa o revise para identificar erros que meu olhar já cansado não percebeu.
Em
16 de novembro deste ano comemorar-se-ão os cem anos do grande escritor
português José Saramago, o único ganhador do Prêmio Nobel de Literatura que
escreveu em língua portuguesa. Ele venceu a premiação em 1998 e faleceu em 2010,
autoexilado na ilha espanhola de Lanzarote. Comunista e pouco afeito a
convenções, ele não se conformou com a censura política do governo português,
em 1992, ao seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, lançado no ano anterior.
É de se imaginar que seu centenário ensejará a republicação de sua vasta obra e
até mesmo de inéditos, embora até aqui não tenha visto nada neste sentido.
Seria de bom alvitre, pois sua gramática própria e difícil, que engendrou um
estilo personalíssimo inconfundível, com certeza afastou leitores jovens quando
ele estava vivo – recordo-me até de uma reportagem da revista Trip que afirmava
que a juventude portuguesa à época não o lia, preferindo António Lobo Antunes,
autor de Os Cus de Judas, também tido em alta conta pela crítica especializada.
Agora seria uma ótima oportunidade de redescobri-lo. Meu primeiro contato com a
obra de Saramago não foi muito proveitoso, por exemplo. Conforme lia este livro
de crônicas, que foi presente de uma amiga, dei-me conta de que já havia
começado a lê-lo em 1996, quando o comprei numa livraria no campus da Unesp em
Bauru, esperançoso de ter uma ótima leitura, dada a reputação do Saramago. Mas
detestei-o e o deixei de lado. Não guardei na memória o título e como ele foi
relançado com uma capa diferente, nem de longe tão bonita quanto à da edição
lançada nos anos noventa, não percebi, a princípio, que se tratava do mesmo
livro. Lendo-o agora, tendo mais paciência, devido à idade, notei que não é tão
ruim assim. Não fiquei com nenhum ranço do Saramago; naquela década mesmo,
ainda jovem, li O Conto da Ilha Desconhecida e achei ótimo. Meu problema com
este livro é que a crônica brasileira é ótima, uma tradição que provavelmente é
inigualável. Saramago tem a mão pesada demais para o gênero; pesadíssima, aliás.
Ele diz que tem um tom "doce-amargo" nas suas crônicas; balela, são
apenas amargas mesmo e, principalmente, maçantes. Há algumas lindíssimas (A minha
subida ao Evereste, As terras, Os portões que dão para onde?) e lê-se o livro
na expectativa que se repitam outros momentos sublimes como estes em meio a
tantos queixumes chatíssimos, mas eles não vêm, simplesmente não vêm.
Felizmente, valeu a pena chegar ao fim: a última, A perfeita viagem, é tão
inspirada quanto aquelas que me encantaram.
Daniel
Souza Luz é jornalista, escritor, professor e revisor
A capa da edição brasileira dos anos 1990 de A Bagagem do Viajante, a qual menciono no texto como sendo mais bonita do que a reedição.
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